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domingo, 5 de maio de 2013



"Quando uma dor é invisível aos olhos do outro, logo ela se torna inexiste. Como se o fato de não ser ‘palpável’ reclassificasse sua significância e não mensurasse sua dor. Dessa forma, sua presença inexiste torna tudo aquilo que dor em irrealidade. E, no mundo onde só se cabe aquilo que é visível- o que tá por dentro, o que compreende o avesso, é posto a margem de.

Não sei a quem coube esse percepção de marginalizar o impalpável, não sei a quem coube essa frieza de ressignificar, de forma tão contraditória o que se sente, mas não se vê. A única coisa que eu sei, é que à margem, estamos todos nos que diariamente temos que fingir sorrisos e alegria para não sermos banidos do “mundo real”. 

Agora, me pergunto o que é real? Que percepção distorcida lhe cabe à definição? O que é real, quando se trata da intimidade anulada de um ser? O Que é real? Quando tantas realidades são possíveis. O que é real? Quando se trata de uma dor invisível?

Visibilidade meu caro, não está apenas naquilo que é visível, está para além de. É tão mais complexo e elaborado, que não cabe no que define, transborda, ofusca, sente-se, invade- e não tem fim.

Não posso, no entanto, dar-te os meus olhos, para que enxergue as minhas dores, não posso, forçar-te a ver com teus olhos vendados aquilo que só cabe a eu sentir. Não posso te obrigar a ver um mundo que consideras irreal, só para que, vendo-o enxergues a mim e a minha dor em sua plenitude. Eu não posso te forçar, a entrar num mundo que é tão meu.

Eu não posso te entregar essa escuridão e desejar que você a compreenda, eu não posso, mesmo que com letras garrafais, escrever em tua cabeça o quanto real é essa experiência assustadora. Eu não posso meu caro.

Não cabe mais a mim a palavra que convence, não cabe mais a mim, a voz que diz, não cabe mais a eu tentar fazer-te ver a realidade, escondida sobre a realidade. Não me cabe mais esse papel. 

Eu tentei te mostrar de todas as formas, eu tentei me fazer ouvida, eu tentei me fazer clara. Mas, foi tudo em vão. Não posso obrigar-te a ver o câncer em metástase que destrói minha alma. Eu não posso.

E, nesse não poder, essa dor que é só minha, guardo-a no infinito do meu âmago, e sigo. Calada, incompreendida, machucada. Sozinha em meio a uma multidão de cegos funcionais. Que por razões alheias, decidem não ver.

Só mais uma coisa: tristeza, dor, vazio, escuridão- não são fatores contagiosos. Mas são sim, fatores que se amenizam quando visto pelo outro- que, sem medo de contagiar-se segura nossa mão e caminha ao nosso lado.

Não quero que você seja eu. Não quero nada além da sua mão compreensível e da sua escuta calma. Não quero nada além do que a certeza de que não estou sozinha, nesse mundo alheio ao mundo. Eu não quero nada além..."



Texto escrito por Amanda Cabral

domingo, 28 de abril de 2013

Espaço

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Eu tenho um espaço.
Um espaço vazio.
Um espaço vazio cheio de vazio.
E quando a gente grita, o espaço grita com a gente. 


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Would you die?



Sentei no parapeito do prédio e observei uma frondosa nuvem cinzenta esconder a lua minguante no céu. Perguntei a ela se entendia de tristeza. Se um dia quis sair de sua orbita e fugir para sempre. Ela me lançou seu ultimo brilho antes de sumir e eu percebi o quão distante estava das minhas próprias respostas. Senti o pesar se apoderar do meu intimo e deixei-me chorar. Agarrei-me no concreto e fechei os olhos, constatando que o céu chorava comigo.  

Queria poder ser a sua única lua. Queria poder absorver o máximo do seu brilho, mas eu me tornei apenas um vago satélite sem luz. Pobre garotinha cinzenta, morta viva lutando pela própria sobrevivência. Enchendo-se de ilusões a respeito da felicidade. E enquanto a chuva lavava o meu corpo, implorei por uma chance. Naquela noite, minha sanidade acenou-me um adeus.  A dor prometeu me matar aos poucos.

Então eu pulei. Senti meu corpo tombar no concreto lá embaixo. Visualizei algumas pessoas se amontoarem ao meu redor. Depois disso, adormeci. Acordei segundos depois sentada no parapeito. Ela tocava em meus ombros e sussurrava em meu ouvido um doce e persuasivo 'ei, eu te amo.'. Permiti-me então falecer em seus braços, sorrindo e abandonando-me. 

sábado, 16 de março de 2013

scared



Ventava lá fora. O céu estava tomado por nuvens cinzentas que traziam consigo um presságio de chuva.  Meu quarto estava imerso numa penumbra infinita. Uma grossa camada de poeira habitava a mobília do ambiente. Fitei, sobre o criado mudo, o sanduiche que eu desistira de comer. Depois de uma hora, totalmente frio, percebi que aquela refeição não entraria nem com promessa.

Sucumbi à solidão daquele recinto, evitando meus pensamentos e tomando o controle sobre tudo o que me habitava. Encarei-a longamente à distância. Ela brilhava. Parecia sorrir para mim. Acenava longamente e chamava o meu nome. Deitei na cama enquanto algo preso em mim implorava pela quebra da abstinência. Costumava achar aquilo normal. A gente não sabe se tem um coração até ele acelerar. A gente não sabe se tem um estômago até ele protestar de fome. Eu só sabia que estava viva quando aquela fina língua de sangue escorria pelo meu braço. Minhas lágrimas cessavam. Eu estava viva, afinal, mortos não sangram.

Respirei fundo enquanto atavam algo em meu peito com nó de marinheiro. A chuva começava a martelar nas vidraças da casa. Puxei as cobertas para junto do meu corpo e calei meu íntimo.

- Está sozinha? – Eu o conhecia. Vi sua silhueta recortada pela luz que adentrava pela fresta da janela. Os cabelos já atingiam os ombros. Sentou-se na estreita poltrona de canto e me observou longamente. – Está sozinha? – Perguntou novamente.

- Não, estou comigo mesma. – Respondi.

- Que bela companhia, não? – ele aplaudiu e cuspiu a ironia na minha face.

- Não importa.

- Você está sozinha. – Ele já afirmava. Rumou até mim e afagou os meus cabelos. – Mas eu estou aqui.

- Que bela companhia, não? – Ataquei. Senti suas mãos segurarem as laterais de minha cabeça e lágrimas brotarem dos meus olhos. Meu coração parou momentaneamente. Meus lábios deixaram escapar o som choroso daqueles que não suportam mais sofrer. Encolhi-me na cama e ele sumiu. Tomei a navalha em minhas mãos e ele reapareceu. Eu estava ali, ele não estava. Eu não estava e ele reaparecia. Ele não era eu. Eu era ele. Ele era meu inconsciente.

- Eu posso ver os seus sonhos, minha cara. E eu posso sentir o seu transtorno. Eu consigo tocar a sua dor e ela me pertence. - Sussurrou em meus ouvidos. – Eu sei que seu celular não toca. Eu sei que seu coração se desmancha toda noite. Eu sei que você reza implorando para ter forças e não desistir. Mas suas forças me pertencem e eu decido quando você vai tê-la de volta ou não.

De repente, um clarão se instalou no quarto. Senti a brisa e o cheiro de terra molhada que ela emanava. Quando pousou, o cheiro de páginas de livros invadiu o ambiente. Suas grandes asas fecharam-se e pude ver em sua expressão a tranquilidade que emanava. O cabelo ruivo e cacheado caia sobre seus ombros e terminavam em seus joelhos. Se aproximou de mim lentamente e beijou minha testa.

- Está na hora de dormir. – Minhas pálpebras pesaram e a ultima coisa que vi foram seus braços agarrando toda aquela névoa negra e levando-a consigo. Agradeci mentalmente à Moira e fechei os olhos, rendendo-me ao sono. Quando acordei de manhã, nada parecia ter acontecido.