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terça-feira, 31 de janeiro de 2012


O céu estava coberto por nuvens de chumbo. Pesadas. Cinzentas. 
Me perguntei se aquela imagem que eu tanto insistia em contemplar no espelho ainda era eu. Os cabelos cortados refletiam a mudança que eu tanto desejei instalar em minha vida. As palavras que saiam de minha boca pareciam não ser minhas. Minhas roupas complementavam o disfarce que eu havia adotado para me esconder. Fugir de algo que eu mesma desconhecia.

Minha cama se agarrava ao meu corpo. Quando comecei a relatar essa história, já não sabia como começar. Começou a chover e eu ainda sentia que algo trancado no sotão de minha alma ainda me incomodava. Inflamava minha pele e me fazia implorar para abandonar aquele corpo de uma vez por todas. Estava exausta.

Eu buscava uma solidão mais sólida. O celular foi desligado e meu quarto me abrigou por dias infames de tristeza impura, surgida da ausência de perspectiva. Não desejava falar com ninguém que pudesse decifrar o que se passava em meu intimo. Escondia-me. Ocultava-me. Anulava-me.

Questiono hoje o porque disso tudo. Seria um castigo divino ou uma sina? Há em mim o desejo de correr mais ainda, mas forças me faltam. As minhas pernas tremem de cansaço e meu coração pulsa fraco. Apunhalado pelo turbilhão de sensações que me envenenam. Quem sou eu? O que me tornei? Porque ainda estou aqui? São apenas interrogações. Respostas me  faltam.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Le Suicidal Feeling - Parte 7


"Eu acho que nunca foi amor. Hoje não chamo tudo isso de saudade. Chamo de sentir falta."


A campainha tocou na hora que ela havia marcado. Alguma coisa parecia prestes a entrar em colapso dentro do meu peito. Meu coração batia tão forte que eu o sentia nas têmporas. Mirei-me mais uma vez no espelho tentando convencer a mim mesma que era forte o suficiente encontra-la novamente.

“Demorasse pra atender!” – Ela me disse assim que abri a porta e dei passagem para ela entrar.

“Estava acabando de me arrumar” – Fitava meus pés como a coisa mais atrativa para se fitar no momento. Uma névoa de tensão pairou no ar. O silêncio escorregou pela porta quando a fechei e se ambientou na sala imersa na penumbra. – “O que você quer?” – Tomei coragem para finalmente perguntar.

“Preciso de um motivo para vir aqui? Somos amigas, lembra?” – Ela sorriu e me encarou longamente enquanto eu soltava um riso rouco e irônico e finalmente olhava em sua cara.

“Nossa, como eu pude esquecer este detalhe?” – Minha ironia falou mais alto. Comecei a andar em direção a cozinha, um dos cenários de minha casa que as recordações com ela me bombardeavam com frequência quando eu ali estava. Ela me seguiu como uma sombra agourenta.

“Vim te desejar feliz natal!” – Ela falou.

“Você me ligou à tarde! Poderia ter feito isso por telefone, não?” – Falei no tom que tanto me controlei para não usar. – “Fácil sumir e depois voltar com um sorriso no rosto e um feliz natal na ponta da língua, não é?”.

“E um presente também!” – Ela me estendeu uma caixa e meu olhar desconfiado pairou em seu semblante antes de contemplar o presente que ela me oferecia. Apanhei e evitei olhar para ela até descobrir que ela havia me dado um livro de um dos meus autores favoritos.

“Sei que você gosta de Carlos Ruiz Zafón!” – Ela sorriu.

“Não sei como você sabe!” – Meus lábios contraídos expressavam a minha frustração. – “Você não gosta de ler.”.

“Eu gosto, mas poucos livros me atraem.” – Ela respondeu dando de ombros e sentando no balcão da cozinha. Apanhou uma uva da fruteira e comeu. O silêncio atravessou a casa e pairou na cozinha.

“O que diabos você quer, afinal?” – Arremessei a pergunta aos pés dela e aguardei enquanto ela processava a informação que eu queria. Parecia escolher as palavras com cuidado.

“Eu só queria te ver!” – Ela me respondeu e sorriu mais uma vez. Parecia se divertir com o meu estado de perturbação aguda.

“Ah é? Parece fácil ir embora e me deixa aqui sozinha , não é? Pois eu vou te dizer uma coisa, eu passei por muita coisa para ficar bem e não vou deixar você acabar com todo o meu esforço dessa forma! Acha que é só voltar com uma droga de livro que tudo vai ficar bem? Não, não é assim que...” – Não pude concluir meu monólogo em forma de desabafo. Ela desceu do balcão, envolveu minha cintura e beijou-me os lábios intensamente. Vi meu controle se esvair enquanto eu a conduzia pelas escadas em direção ao meu quarto escuro. As mãos dela embrenhavam-se por dentro da minha roupa enquanto eu já me rendia a tirar sua camisa.

O primeiro erro fora cometido durante o pesadelo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Le Suicidal Feeling - Parte 6



Ressaca. Era nesse estado que eu me encontrava.

Ela estava deitada ao meu lado, os cabelos cor de trigo e a pele branca destacavam-se na roupa de cama preta. Tentei levantar e pude sentir minha cabeça rodopiar e a vista escurecer. Contemplei o corpo adormecido dela e recordei o dia em que a vi pela primeira vez. A imagem da padaria surgiu em meus pensamentos como névoa e um vago sorriso brincou em meus lábios. Muito tempo havia passado.

Comecei a recolher as minhas peças de roupa do chão e a vesti-las. As garrafas de vodka habitavam as mesas de cabeceira e o cheiro de cigarro pairava no ar. Avistei minha imagem no espelho do quarto dela e me arrependi no segundo seguinte. Precisava voltar pra casa e tomar o banho mais demorado da minha vida.

"B?" - Ela afastava os cabelos loiros do rosto e abria os olhos com dificuldade. Sem dúvida, a ressaca também a possuia.

"To indo pra casa!" - Falei apanhando minha bolsa e resgatando as chaves do meu carro que estavam embaixo da calça jeans dela.

"Já?" - Seu tom de voz foi triste e melancólico. Aqueceu minha alma por meros segundos até a resposta vir fresca em meus lábios e minha voz pronunciar: "Pois é, tenho coisas a fazer!"

"Posso te ligar mais tarde?"

"Se assim desejar..." - Abri a porta do quarto sentindo-me podre. Não iria atender se ela me telefonasse.

Abri a porta do carro e respirei fundo. Tentei lembrar do que ocorrera na noite anterior. Minhas mãos deslizavam pela pele macia dela enquanto suspiros e gemidos escapavam de sua boca. Sentia seus músculos ficarem rigidos e os pêlos se eriçarem a cada estimulo que eu lhe dava de bom grado. Sorri de canto e dei partida no carro a fim de chegar em casa rápido. O sol já se espreguiçava no horizonte.


A solidão de minha residência esbofeteou minha face e o silêncio foi quebrado pelo eco dos meus sapatos ao caminhar. Evitava passar muito tempo enterrada em minhas lembranças. Evitava passar muito tempo comigo mesma. Evitava passar muito tempo em minha própria casa. Isso fazia minha alma ganhar vida e eu preferia optar pelo coma profundo que ela entrava quando eu estava fora dali.

Caminhei até meu banheiro e fui deixando minhas peças de roupa durante a trajetória. Larguei a bolsa em cima da pia de mármore e sem ao menos despi a calcinha, entrei embaixo do chuveiro. Esperei a água fria lavar o que entranhava-se em meu peito, mas aquela sensação permanecia ali. Meu estômago embrulhava-se em mil partes. Senti as lágrimas congelarem em meus olhos e minha garganta atar-se em um nó amargo.

Bullet for my Valentine começou a soar dentro de minha bolsa. Sai com o corpo pingando água pelo chão e quase escorregando no piso molhado e apanhei o celular. De repente, meu coração parou de bater. Em seguida, disparou só para manter-me viva. O nome dela podia ser claramente visto no visor. Meu corpo entrou em convulsão e com um suspiro longo, daqueles tomados para que a coragem brote do além, atendi.

"E aí, tais bem?" - Permaneci muda apenas ouvindo a voz dela. O pesadelo começara.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012


"Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai agüentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar."


Caio Fernando Abreu

domingo, 1 de janeiro de 2012