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segunda-feira, 31 de outubro de 2011


E a história se repetiu. Ela estava tão cansada. Cansada de sentir a mesma coisa, contemplar as mesmas
cicatrizes, ver a mesma imagem refletida no espelho e sentir o mesmo gosto das lágrimas que descansavam em seus lábios após escorrer pela sua face.

O ambiente era o mesmo. Preferia deixar-se na escuridão de seu quarto, onde seus olhos mal conseguiam distinguir os objetos que ali existiam. O único ruído que era ouvido vinha do relógio, quando os segundos se arrastavam noite adentro. A melodia triste ainda tocava baixinho enquanto ela chorava após ferir-se. Parecia estar viciada em cometer tal crime contra si.

Eram sempre as mesmas palavras: lembranças, dor, saudade, tristeza... Tantas vezes repetidas para diferentes pessoas. Nenhuma delas parecia compreender o significado delas e no quanto afetada ela estava por tais palavras fazerem parte do seu repertório. Perguntou-se se ela mesma tinha permitido a adição delas.

Estava cansada de não conseguir manter-se no eixo. Cansada de sentir falta da presença das pessoas erradas e de sofrer por não estar perto das pessoas certas. Cansada de olhar as mesmas fotográfias incontáveis vezes apenas para sentir-se viva. Agarrar-se ao passado apenas para não ter de olhar pra frente e se dar conta de que seus planos não saíram conforme ela queria.

Já não sabia como esconder suas marcas. Já implorava intimamente que as pessoas não reparassem na dor gravada em seus braços e na tentativa de fuga estampada em seu pulso. Quantas vezes teria de cobrir as olheiras que se instalaram ali deveras o anseio de adormecer? Adormecer e sonhar. Adormecer e não sonhar. Adormecer para não acordar nunca mais.

O que mais lhe cansava a mente era a ausência momentânea de sua agonia. Estranhava estar bem e questionava o que tinha lhe causado tamanha satisfação interior. As vezes, conviver com os poucos momentos de plenitude que lhe era cedido parecia ser algo de grande dificuldade.

Sua vida parecia um grande teatro. Seu mundo parecia se alto destruir com ela dentro. Suas máscaras já não lhe serviam no rosto e a alegria havia esquecido o endereço do seu coração. Mesmo assim, permaneceu ali. Estava cansada de lutar, mas preferiu não desistir de si.




quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Le Suicidal Feeling - Parte 4


Já fazia três dias de chuva constante e minha cabeça exibia o cansaço de lembrar a imagem dela. Não conseguia assimilar a ausência repentina de sua companhia. Ou o modo como ela passou a me evitar no trabalho. Nossos olhares já não se cruzavam mais. Suas palavras já não eram dirigidas para mim e o essencial para ser dito era atirado aos meus pés. Parecia ironia, mas em minha casa, ainda havia vestigios de sua passagem em minha vida.

Percorri cada um dos comodos mais uma vez, sentindo as lembranças invadirem-me a cabeça e o passado sussurrar em meu ouvido o quanto eu sentia falta do que a ele pertencia. Evitava o máximo possível deixar com que as recordações me habitassem por mais de cinco minutos, mesmo não obtendo sucesso algum em tal feito.

Acendi um cigarro depois de juras feitas para mim mesma de nunca mais fumar. A penumbra habitava o cômodo da sala. Preferi mantê-la daquela forma. Me sentia melhor quando a escuridão me fazia companhia. Sentei no chão, encostada na parede fria, e traguei, deixando a nicotina envenenar o meu intimo como antes. Guardei uma foto nossa dentro de um livro para não ter que contemplá-la sempre. Só quando a vontade surgisse. Os pertences dela foram escondidos no intimo do meu armário. Preferi mantê-la viva ali na esperança de seu retorno.

Enquanto terminava o cigarro, rendi-me a fitar o telefone na esperança que ela ouvisse meus pensamentos a longa distância e me ligasse. Percebi logo em seguida que passei a duas semanas fazendo isso. Observando o telefone e esperando ver o nome dela no visor. Ou então me contendo para não telefoná-la só para ouvir a voz rouca que tanto me fascinava.

Não sabia mais lidar com a sua ausência. Precisava dela e do seu acalento. A pergunta era se eu a teria de volta.

terça-feira, 25 de outubro de 2011


"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar."

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Slow Life


O dia se espreguiçou no horizonte, anuciando que já amanhecera. Ela abriu uma fresta das cortinas para ver se valeria a pena abandonar a segurança de seu quarto para render-se ao mundo lá fora. As ondas do mar choravam quando atingiam a costa, os pássaros piavam seu canto matinal enquanto a brisa morna balançava a folhagem dos coqueiros. Tudo parecia bem.

Arrastou-se até a cozinha e contemplou a mesa vazia. O resto do jantar da noite anterior ainda jazia sobre ela. Resolveu apenas alimentar-me com torrada e frutas frescas, aquelas que trouxe antes de buscar abrigo naquele chalé à beira mar com o intuito de desfrutar de sua própria companhia. Parecia a mais apropriada na situação  em que se encontrava. 

Vestiu o moletom largo e surrado, nunca conseguiu livrar-se dele, por cima da camisola rendada e encaminhou-se para o lado de fora do chalé. Assim que abriu a porta, o sol sorriu pra ela. Despejou sobre seu corpo um calor que já não sentia a muito tempo. Sua luz quase cegou-lhe ao contemplá-lo. Ela não se importou.

Segurando as torradas e as frutas enroladas numa toalha, deu alguns passos até seus pés afundarem na areia branca da praia e o vento marinho lhe atingir a face. Sentou-se ali. Diante dos seus olhos, a tamanha magnetude do oceano. Buscou o fim do horizonte, até onde sua visão pôde ir e se sentiu minuscula diante de tanta vastidão.

Ali, naquela praia deserta, os problemas não a encontraram. Sua dor adormecera. Suas lembranças não mais a assombravam. Sua presença agora era prazerosa pra ela mesma. Comeu seu café da manhã. Permaneceu a manhã inteira ali, desfrutando de sua plenitude.

domingo, 16 de outubro de 2011

Naquela manhã, ela levantou com o sentimento de que deveria permanecer ali, imersa em sua própria solidão. Já não suportava mais tentar sorrir quando sua alma era assassinada pela dor ambientada nela.

A vida carregou-a pelos punhos, a pulso. Ela, sem forças para lutar contra aquilo, apenas aceitou de mau grado a única opção imposta a ela. Seguiu em frente, representando aquele falso teatro de menina crescida enquanto seu mundo se alto destruia a cada segundo. Com ela dentro.

Caminhou. Foi de encontro a sua rotina cansativa, onde expressões de uma falso bem estar foram postas em seu rosto para que tudo parecesse normal. Até quanto tempo ela suportaria? Evitou pensar.

Decidiu fazer daquele ser sua nova pessoa. Desejou intimamente refugiar-se por trás daquela personalidade forte que era temporariamente ela. Tentou. Fracassou. Assim que se viu perdida, fugiu. Buscou abrigo naquele cubiculo frio, onde a única companhia que possuia era a dela mesma, assombrada por pensamentos que dilaceravam sua sanidade.

Sua máscara caiu junto com as lágrimas que conteve a tanto custo durante o dia. Naquele momento, estava a mercê de seu próprio sofrimento. Não conseguiu retornar. Desaprendeu a sorrir. Permaneceu ali.

Sozinha.

Amy diz que está completamente sozinha
Diz que o mundo nem ao menos conhece
Sobre a dor que ela esconde por dentro
Diz que a felicidade é só uma mentira

O cheiro das rosas ela joga fora
Só sussurro, não emite som
Não quero que o mundo conheça a verdade
Você tem sido arrasada e abusada... por você.
 
(Amy Says - Flyleaf)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011


Nada me parecia suficiente naquele instante. Lágrimas já não eram mais choradas. No peito, apenas a sensação de que algo faltava. Os olhos tristes e vermelhos fitavam o teto, enquanto os braços pendiam ao lado do corpo mórbido que habitava a cama. Seria meu esse corpo ainda?

O nó foi atado em minha garganta e eu não sabia se continuava viva. As fugas premeditadas de minha própria dor já não surtiam tanto efeito quanto antes. Meus pensamentos eram convertidos em lembranças tristes, numa saudade que embriagava-me e numa solidão que me envenenava a cada suspiro. 

Na ansia de me encontrar, me perdi. E no desejo de sentir-me viva, sangrei. O coração, que antes me pertencia, pulsava rápido e se chocava contra o peito ossudo do meu corpo. Enquanto o liquido vermelho vivo gotejava nos lençois encardidos, a culpa esbofeteou minha face. Acolhi-me no meu leito tortuoso e busquei numa falsa esperança razões para continuar ali.

De repente, aquele cheiro invadiu minhas narinas. Era puro, reconfortante. Como um chamado para a redenção. Debaixo do travesseiro, puxei a causadora de tamanho rebuliço em minha alma. Aquela camisa. E enquanto a imagem daquele indíviduo perambulava em minha mente, todo o tormento foi traduzido em lágrimas amargas que descansaram em meus lábios.

Busquei abrigo nas recordações de sua imagem e assim adormeci um pouco de minha agonia. Em meio ao silêncio moribundo ambientado no quarto, desejei ouvir aquela voz. Desejei estar em sua presença para que seu corpo me envolvesse num abraço que me devolveria a vida.

A escuridão ambientada ali não anunciou presença alguma. Estava eu apenas em minha companhia leviana. Esperando alguém que não iria entrar pela porta naquela noite. Talvez nunca fosse adentrar. Meu peito ardeu em desespero junto com as marcas gravadas por lâminas em meus braços. As lágrimas sessaram.
Dei-me por vencida e fechei os olhos, ainda sentindo aquele cheiro. Fugi covardemente de minha realidade e dos fantasmas que me assombravam, refugiando-me assim num sono profundo e sem sonhos. Sem forças, sem vida.




terça-feira, 4 de outubro de 2011

Much Like Falling


 Não sou má. Tampouco sádica. Não me ostento com meus feitos, porém, dificilmente tenho piedade quando uma alma se entrega a mim de bom grado.

Era um cenário tristonho. Algumas garrafas jaziam vazias no chão; ela havia bebido todo o seu conteúdo nas ultimas semanas na tentativa de anestesiar a sua dor. O quarto cheirava a mofo e o chão estava repleto de cinzas de cigarro. A penumbra era quebrada por um fino raio solar que adentrava pela fresta das janelas fechadas.

Debaixo de cobertas puídas, seu corpo estava.

Era magro. Os cabelos muito negros e curtos escondiam as feições que, um dia, já foram belas e apreciadas. Não havia mais lágrimas para serem choradas. No lugar delas, apenas o ardor na garganta e uma tonelada sobrecarregando o peito. Marcado no braço, o preço da solidão. Entre os dedos, estava preso o cigarro que ela havia desistido de fumar. 

Suas mãos foram em busca de mais uma droga, abandonando a fortaleza de lençois que protegiam seu corpo do ar gélido do cômodo. A respiração dela era dificultosa, o ar parecia queimar suas entranhas. A cada sopro de coragem, ela engolia um comprimido. Cada comprimido parecia comprimir seus anseios na mesma proporção que seu corpo agonizava. E em meio a isso, o pranto mudo interveio. Toda a dor voltou a escorrer através dos olhos castanhos dela. 

Estava eu prestes a agarrar sua mão e levá-la comigo, quando o feito foi intervido. Suspendido pela presença de um outro alguém que veio ao seu encontro, tomo-a nos braços enquanto ela sentia a vida esvairir-se do seu corpo debilitado. Parecia desejar vir ao meu encontro ao mesmo tempo que o se arrependia do crime que cometera contra si. Estava destruída por dentro.

Assim, doei a ela mais tempo. Tempo para se perder e se encontrar.