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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Reflexo


Quando girei a chave, escutando a porta se trancar, as lágrimas possuíram meus olhos. Escorreguei lentamente pela parede azulejada e fria até o chão me abraçar. Uma sensação de ódio se instalava em meu corpo. Desejei mudar e sucumbir as expectativas dela. Desejei encontrar a perfeição em mim.

Desejei, em seguida, simplesmente ser aceita. Poder encarar a mim mesma e me satisfazer com o que contemplo. Me satisfazer com o que sou sem haver a necessidade de uma busca incansável por algo que nunca serei capaz de alcançar.

Respirei fundo na tentativa de sessar minhas lágrimas, entretanto, elas caiam sem pudor. Eu já soluçava. O conhecido sentimento de solidão se apoderando do meu ser. A vontade de ferir-me explodindo em meu íntimo. Deitei-me no chão gelado e fitei o teto branco, rogando por coragem para expulsar tudo o que me habitava. Implorando a forças superiores para ser forte o suficiente. O silêncio me apavorava aos poucos.

De repente, as batidas na porta ecoaram pelo espaço pequeno. Droga. Ouvi a voz de minha mãe, questionando se eu estava bem. Apanhei o ultimo vestígio de alto controle que me restava e respondi. Não desejava responder seus questionamentos sobre o porque de minha tristeza repentina. Ela nunca foi capaz de aliviá-la. Sua capacidade de entendimento a respeito delas era escassa. 

Finalmente, guardei tudo no fundo de meu íntimo e levantei dali. Entrei no chuveiro e deixei que a água fria anestesiasse o meu peito. Resolvi procurar acender uma pequena luz em mim. 

domingo, 14 de outubro de 2012

Palácio de Gelo


O palácio de gelo estava vazio. Suas paredes cinzentas pareciam mais sólidas do que nunca. Cristais de gelo pendiam do teto. Olhei em volta e, de repente, constatei a figura que dançava sozinha. O vestido fluído balançava de um lado para o outro conforme seus passos a guiavam.

Olá? – Gritei. Minha voz ecoou pelo lugar e os cristais tilintaram num som trouxe um presságio de morte. – Sabe como eu posso sair daqui? – Tentei novamente e pude ouvir o eco devolver minha voz aguda. A garota parara de dançar. Aproximei-me devagar e constatei o quanto seu cabelo era curto. Os ombros a mostra deixavam claro seu estado de magreza. Ela se virou lentamente e me fitou por trás de sua máscara dourada. Um silêncio sepulcral se instalou sobre nós, quebrado apenas pelo tilintar dos cristais no teto.

- Você sabe como. – Ela disse finalmente, sua voz me soando familiar. Voltara a se balançar no mesmo lugar. As mãos desajeitadas traçavam círculos em volta de si. Me aproximei mais ainda daquela figura esguia e segurei em uma de suas mãos.

- Eu realmente preciso sair daqui. – implorei sentindo seus dedos finos se entrelaçarem aos meus. Senti sua mão gelada me passar uma estranha corrente de energia. A garota se afastou de mim. Correu na ponta dos pés e cochichou com as paredes. Emergira dali mais uma garota. E outra. E mais outra. Olhei em volta e já totalizavam sete. Todas rumaram até mim, cada uma usando uma máscara diferente. A atitude seguinte me pareceu estranha. Fui laçada por um abraço coletivo que não durou muito.

A garota inicial, com sua máscara dourada, destacou-se entre elas e se dirigiu até mim. Sua voz suave me envolveu como uma bela canção. “Só uma poderá sair daqui”. Apontou para si, para mim e para as outras garotas que agora dançavam. Respondi com toda a certeza que seria eu. Ela me fitou longamente. “Tem certeza? Porque se for você a que irá sair daqui, nada mudará!” Confusa, encarei-a por longos minutos. Então, vi o vislumbre do meu próprio sorriso brotar em seus lábios e a compreensão me golpeou. Sabia que, se eu tivesse de ficar ali, deixaria de existir. Qual escolha eu deveria tomar? 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

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Eu, sombria e cinzenta, perseguia-me durante a caminhada nevoenta. Preocupei-me apenas em fugir de mim. Percebi, deveras tarde demais, que entregar-me a ti e provar do amor seria a redenção de minh'alma. 

Me and Myself


Mergulhou em si,
Moveu-se.
Encontrou a si,
Perdeu-se.
Abriu sua caixa
Revelou seus segredos
Provou do veneno
Tingiu-se de cinza
Faleceu ali.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

To Build a Home


No céu, um manto de nuvens negras anunciavam a proximidade de chuva forte. Eu rumava sem destino pelas ruas desertas, a neblina habitando cada canto dali, imersa nos meus próprios pensamentos. Sonhei acordada com a proximidade dela. Um ser quase intocável. Buscava arrancar sem resultados tudo que me habitava. 

Tentei inutilmente minar os meus defeitos na ânsia de acertar e ali estava eu, cometendo incontáveis erros e me punindo por eles. Novamente. De novo. Contemplei as cicatrizes que existiam em meu braço e desejei que todas elas desaparecessem junto com toda aquela névoa fria. Acariciei o novo corte feito, antes da minha fuga, e o vi gotejar no meu cardigã branco. Uma mancha vermelha surgira ali.

Meus pés rumaram para o café mais próximo. Aquele tão conhecido por mim. Com os joelhos quase cedendo, subi a estreita escadaria e sentei numa mesa no canto do ambiente. Lisa me avistou ao longe e caminhou até mim cautelosamente, o caderninho de pedidos em mãos. Ao parar ao meu lado, senti os seus olhos se arrastarem sobre mim e pararam na mancha de sangue em meu cardigã.

- Ahn... O que vai querer? - Deixou escapar com a voz fraca.

- Só um café! - Respondi fitando a rua lá embaixo ser engolida pelos primeiros pingos de chuva. 

- Você... está bem? - Ela me perguntou, fazendo menção de tocar meu casaco manchado. Afastei meu braço das mãos dela e a fitei intensamente.

- Eu só quero o meu café, Lisa - falei acidamente - não vim aqui pra falar com você, se é isso que está pensando!

- Eu não pensei em nada! - Ela falou. Senti que estava a ponto de chorar. Meu coração pulsou intensamente e um nó foi atado em minha garganta. Deixei que as palavras me escapassem antes que eu pensasse duas vezes em pronunciá-las.

- Ótimo! Então não seria um problema pra você me conseguir um café, sim? - Voltei a encarar a rua. Lisa deu meia volta e foi até o balcão com o pedido anotado. Mergulhei em minhas próprias lembranças enquanto a chuva aumentava, arrependendo-me no segundo seguinte.

- LISA! POR FAVOR! ABRE ESSA PORTA! - Eu gritava para a porta fechada do apartamento dela. Vários vizinhos já colocavam as cabeças para o lado de fora a fim de olhar o ocorrido.

- VAI EMBORA! JÁ FALEI O QUE TINHA PRA FALAR COM VOCÊ! - Escutei a voz agressiva dela gritar do lado de dentro do apartamento,

- Ele não te ama como eu amo, Lisa! Eu quero estar com você, acordar ao seu lado, dormir do seu lado. Por favor, eu te imploro, não faz isso comigo! - Ajoelhei no meio do corredor, sentindo meu corpo estremecer e as lágrimas escorrerem pela minha face e descansarem em meus lábios. O tempo chuvoso havia encharcado minhas roupas durante minha ida até ali.

Lisa abriu a porta e fitou meu corpo ajoelhado em frente a sua porta. Os cabelos ruivos estavam presos num  coque perfeito. Vestia calça moletom e blusa de manga.

- Eu o amo, Effy! E nada mais importa. Portanto, levanta daí e volta pra casa. E leva a droga do seu amor com você! Eu não o quero! - Ela falou me encarando. Seu olhar queimava. Suas palavras me feriam. 

- Você... você... disse que me amava! - As palavras eram ditas com dificuldade. Meu coração parecia ter parado de bater.

- Eu menti. - Ela disse, fechando a porta em seguida. Escutei a chave girar e os passos dela se distanciarem.

- NÃO! NÃO! LISA! LISA! POR FAVOR! - Esmurrei a porta. Todos no sétimo andar me observavam.

- Seu café! - Me assustei com aquele sussurrar repentino. A voz de Lisa me arrastou de volta para a realidade. De volta para o ambiente com mesinhas e cortinas quadriculadas. Ainda chovia. 

- Obrigada! - Respondi secamente, puxando o café para mais perto e tomando um gole. Senti a bebida quente me aquecer por dentro. Lisa exitou durante alguns segundos e sentou na cadeira defronte mim. Levantei os olhos e vi que ela me olhava com expectativa. 

- O que foi isso no seu braço? - Ela perguntou.

- Não é da sua conta! - Respondi.

- Queria conversar com você! - Sua voz falhou.

- Não é do meu interesse. - Bebi o resto do conteúdo rapidamente. Tirei do bolso uma nota de dois reais, depositei sobre a mesa e me levantei. Lisa levantou também e tentou segurar meu braço. Me distanciei e desci as escadas. Os pingos de chuva tocaram meu corpo. Pensei em voltar pra casa e me dei conta que não faria diferença. Meu coração continuaria doendo e a imagem de Lisa me perseguiria aonde quer que eu estivesse.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Breathe - Parte 2




O amanhecer declarou que o resto da manhã seria gélida. A garoa fina caia lá fora. Puxei a coberta e me enrosquei na cama para saciar a minha fome de calor. Busquei o corpo de Freja para aquecer-me um pouco mais, entretanto descobri que ela já levantara.Venci a preguiça e escorreguei para fora da cama. Calcei a pantufa de coelho que Freja me dera, em seguida, vesti meu moletom cinza e rumei pelas escadas, escutando o tilintar dos talheres na cozinha.

- Bom dia, Mel! – Freja lançou-me um sorriso satisfeito e apontou para a mesa de café que ela arrumara. Sorri abobalhada. Ela jazia sentada sobre a mesa, trajando apenas uma calcinha.  – Fiz panquecas!

- Não estais com frio? – Perguntei dando lhe um beijo e sentando na cadeira mais próxima a ela.

- Já passei por frios piores! – Ela apanhou a camiseta (acreditei que havia tirado antes de eu descer ) e vestiu-a. Apanhei o prato de panquecas e comecei a comer. Freja me serviu um café fresco e acrescentou leite.

- Vou ficar mal acostumada assim! – Sorri. Freja me beijou os lábios. Suas mãos deslizaram pelo meu pescoço até chegarem  ao meu colo. Freja abriu lentamente o flash do meu moletom enquanto seus beijos não saciavam minha vontade dela. Acariciou meus seios e me puxou para que eu levantasse enquanto ela descia da mesa.

- Posso terminar meu café da manhã? – Perguntei, interrompendo nosso beijo e sorri. Ela já se livrava do meu moletom e acariciava minhas costas.

- Não! – Ela respondeu enquanto voltava a beijar-me. Tirei a camiseta que ela acabara de vestir. Sentei no balcão da cozinha e encaixei Freja entre minhas pernas. Enquanto ela puxava meu cabelo e eu arranhava suas costas, nosso beijo se tornou mais urgente. Senti os lábios dela descerem para o meu pescoço e minha pele ser mordiscada, chupada e acariciada. Meu corpo estremeceu enquanto todos os meus pelos eriçavam-se. Desci do balcão e forcei-a a deitar no chão enquanto eu me depositava sobre ela. Encaramo-nos durante alguns segundos e vi os olhos castanhos dela brilharem. Desci meus beijos pela sua barriga enquanto apalpava os pequenos seios dela. Desci minhas mãos e acariciei sua cintura. Encarei-a e vi que ela me observava. Voltei a beijar-lhe os lábios enquanto brincava com o elástico de sua calcinha. Freja parecia não querer esperar, muito menos, queria que eu assumisse o papel que sempre foi dela. Com quase nenhum esforço, tendo ela vantagem por ser mais alta, Freja depositou-se sobre mim e voltou a me beijar. Suas mãos arrancaram minha calcinha e seus dedos me invadiram. De repente, senti todo o ar se esvair pelos meus pulmões. Minha respiração ficou entrecortada, minhas unhas fincaram-se nas costas brancas dela e senti o êxtase se espalhar pelo meu corpo. Permanecemos ali, deitadas no chão frio, apreciando a companhia uma da outra. O silêncio pairava no ar. Nenhuma palavra precisava ser dita.

- Quer mais café? – Freja perguntou sorrindo. Gargalhei e me levantei.  Apanhei a xícara de café e o resto das minhas panquecas enquanto ela levantava-se e anunciava que ia tomar banho. Sorri e pensei na saudade que me possuía enquanto ela estava fora. Entre os devaneios de meus pensamentos, escutei as batidas na porta. Vesti minhas roupas e sorri ao ver que eu continuava de pantufas. Levantei e rumei até a entrada da casa me perguntando quem seria aquela hora da manhã. Ao me dar conta de quem era, minha expressão era de perplexidade. Ela não deveria estar aqui.

- Mel, eu precisava te ver! – Kate sussurrou, seus olhos verdes me encararam intensamente.

- Freja está aqui, pelo amor de Deus, vai embora! – Implorei enquanto fechava a porta, Kate me impediu.

- Só me diz quando eu posso vir! Quando eu vou poder ficar aqui com você. – Ela perguntou.

- Amanhã a noite! Freja vai voltar pra casa e buscará o resto de suas coisas!

- Então o que você me disse ontem pela manhã era verdade? Ela virá mesmo morar com você? – Kate me olhou com aquele olhar que fazia meu coração amolecer.

- Sim, virá! Mas continuaremos a nos ver! Amanhã, as 20 horas, aqui na minha casa. Não se atrase! – Segurei seu rosto e beijei-lhe os lábios. Em seguida, fechei a porta. A sensação de culpa já não existia mais. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Breathe - Parte 1


O bloco de papel descansava nas mãos de Mel enquanto a caneta escapava lentamente de suas mãos. Uma brisa fria entrava pela janela e a garota, parcialmente despida, acabara desistindo de mais uma tentativa frustrada em escrever o que sentia. Serviu-se de mais vinho e deixou seus pensamentos vagarem junto com a música lenta que tocava insistentemente, repetindo sua melodia triste pela trigésima vez. Mel fechou os olhos e acolheu-se no chão frio. Os pelos do seu corpo erriçaram-se. Desejou adormecer, mas parecia acesa. O cômodo já estava escuro e o vento se tornava mais gélido.  A noite se instalava aos poucos e nuvens de chumbo ocultavam as estrelas. A lua não apareceu.

Mel tomou um gole do vinho e sentou-se novamente. Assanhou os cabelos negros e tomou a caneta nas mãos. Conjurou todas as lembranças ocultas em seu intimo na esperança de relatar nas páginas soltas do caderno o que sentia. Datou o papel branco e o encarou durante longos minutos enquanto ele aguardava acolher mais um de seus segredos. O caderno, seu fiel confidente. Deixou então que a caneta escorregasse pelo papel e relatasse as seguintes palavras:

“Ela não veio.”

Encarou mais uma vez a página enquanto o som da repetitiva música se misturava aos pingos de chuva que começaram a caiam do lado de fora. Mel sentiu o frio noturno queimar em sua pele, mas não ousou levantar dali, tampouco aquecer-se.  Desejou, entretanto, obrigar seu corpo a provar aquela sensação. Anestesiar a sensação de solidão que começou a enegrecer sua alma.

Inesperadamente, sentiu o sangue do seu corpo se esvair quando ouviu as conhecidas batidas suaves na porta. Parecia a melodia da redenção. Mel levantou-se apressadamente e escancarou a porta a tempo de ver Freja dobrar os nós dos dedos, pronta para anunciar a sua chegada novamente. Uma expressão de surpresa se instalou no rosto dela ao contemplar o corpo seminu de Mel.  Os cabelos molhados pela chuva colavam em suas feições magras.

“Você não me avisou que aquele rio, o da entrada da cidade, enchia no inverno!”

Mel sorriu fraco e a sensação de alivio percorreu suas artérias. Abriu espaço e Freja entrou na casa. Rendeu-se a fechar as janelas e esconder seu caderno dentro de uma das cômodas disposta na sala de estar. Freja despiu os casacos molhados e pendurou-os. Mel acendeu a lareira e sentou-se no lugar que antes lhe acomodava. Acolheu Freja em seus braços em seguida e beijou seus lábios finos. De repente, tudo parecia bem.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lx Menina e Moça

´

Comigo, serás sempre tu.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012


Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. 
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade.
Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo.
Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um": duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava.
Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto.
Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade.
Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas.
Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente.
Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém"

(John Lennon)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Você é...



Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. 

Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora.

Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda.

Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima.

Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia.

Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.

(Martha Medeiros)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012


O céu estava coberto por nuvens de chumbo. Pesadas. Cinzentas. 
Me perguntei se aquela imagem que eu tanto insistia em contemplar no espelho ainda era eu. Os cabelos cortados refletiam a mudança que eu tanto desejei instalar em minha vida. As palavras que saiam de minha boca pareciam não ser minhas. Minhas roupas complementavam o disfarce que eu havia adotado para me esconder. Fugir de algo que eu mesma desconhecia.

Minha cama se agarrava ao meu corpo. Quando comecei a relatar essa história, já não sabia como começar. Começou a chover e eu ainda sentia que algo trancado no sotão de minha alma ainda me incomodava. Inflamava minha pele e me fazia implorar para abandonar aquele corpo de uma vez por todas. Estava exausta.

Eu buscava uma solidão mais sólida. O celular foi desligado e meu quarto me abrigou por dias infames de tristeza impura, surgida da ausência de perspectiva. Não desejava falar com ninguém que pudesse decifrar o que se passava em meu intimo. Escondia-me. Ocultava-me. Anulava-me.

Questiono hoje o porque disso tudo. Seria um castigo divino ou uma sina? Há em mim o desejo de correr mais ainda, mas forças me faltam. As minhas pernas tremem de cansaço e meu coração pulsa fraco. Apunhalado pelo turbilhão de sensações que me envenenam. Quem sou eu? O que me tornei? Porque ainda estou aqui? São apenas interrogações. Respostas me  faltam.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Le Suicidal Feeling - Parte 7


"Eu acho que nunca foi amor. Hoje não chamo tudo isso de saudade. Chamo de sentir falta."


A campainha tocou na hora que ela havia marcado. Alguma coisa parecia prestes a entrar em colapso dentro do meu peito. Meu coração batia tão forte que eu o sentia nas têmporas. Mirei-me mais uma vez no espelho tentando convencer a mim mesma que era forte o suficiente encontra-la novamente.

“Demorasse pra atender!” – Ela me disse assim que abri a porta e dei passagem para ela entrar.

“Estava acabando de me arrumar” – Fitava meus pés como a coisa mais atrativa para se fitar no momento. Uma névoa de tensão pairou no ar. O silêncio escorregou pela porta quando a fechei e se ambientou na sala imersa na penumbra. – “O que você quer?” – Tomei coragem para finalmente perguntar.

“Preciso de um motivo para vir aqui? Somos amigas, lembra?” – Ela sorriu e me encarou longamente enquanto eu soltava um riso rouco e irônico e finalmente olhava em sua cara.

“Nossa, como eu pude esquecer este detalhe?” – Minha ironia falou mais alto. Comecei a andar em direção a cozinha, um dos cenários de minha casa que as recordações com ela me bombardeavam com frequência quando eu ali estava. Ela me seguiu como uma sombra agourenta.

“Vim te desejar feliz natal!” – Ela falou.

“Você me ligou à tarde! Poderia ter feito isso por telefone, não?” – Falei no tom que tanto me controlei para não usar. – “Fácil sumir e depois voltar com um sorriso no rosto e um feliz natal na ponta da língua, não é?”.

“E um presente também!” – Ela me estendeu uma caixa e meu olhar desconfiado pairou em seu semblante antes de contemplar o presente que ela me oferecia. Apanhei e evitei olhar para ela até descobrir que ela havia me dado um livro de um dos meus autores favoritos.

“Sei que você gosta de Carlos Ruiz Zafón!” – Ela sorriu.

“Não sei como você sabe!” – Meus lábios contraídos expressavam a minha frustração. – “Você não gosta de ler.”.

“Eu gosto, mas poucos livros me atraem.” – Ela respondeu dando de ombros e sentando no balcão da cozinha. Apanhou uma uva da fruteira e comeu. O silêncio atravessou a casa e pairou na cozinha.

“O que diabos você quer, afinal?” – Arremessei a pergunta aos pés dela e aguardei enquanto ela processava a informação que eu queria. Parecia escolher as palavras com cuidado.

“Eu só queria te ver!” – Ela me respondeu e sorriu mais uma vez. Parecia se divertir com o meu estado de perturbação aguda.

“Ah é? Parece fácil ir embora e me deixa aqui sozinha , não é? Pois eu vou te dizer uma coisa, eu passei por muita coisa para ficar bem e não vou deixar você acabar com todo o meu esforço dessa forma! Acha que é só voltar com uma droga de livro que tudo vai ficar bem? Não, não é assim que...” – Não pude concluir meu monólogo em forma de desabafo. Ela desceu do balcão, envolveu minha cintura e beijou-me os lábios intensamente. Vi meu controle se esvair enquanto eu a conduzia pelas escadas em direção ao meu quarto escuro. As mãos dela embrenhavam-se por dentro da minha roupa enquanto eu já me rendia a tirar sua camisa.

O primeiro erro fora cometido durante o pesadelo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Le Suicidal Feeling - Parte 6



Ressaca. Era nesse estado que eu me encontrava.

Ela estava deitada ao meu lado, os cabelos cor de trigo e a pele branca destacavam-se na roupa de cama preta. Tentei levantar e pude sentir minha cabeça rodopiar e a vista escurecer. Contemplei o corpo adormecido dela e recordei o dia em que a vi pela primeira vez. A imagem da padaria surgiu em meus pensamentos como névoa e um vago sorriso brincou em meus lábios. Muito tempo havia passado.

Comecei a recolher as minhas peças de roupa do chão e a vesti-las. As garrafas de vodka habitavam as mesas de cabeceira e o cheiro de cigarro pairava no ar. Avistei minha imagem no espelho do quarto dela e me arrependi no segundo seguinte. Precisava voltar pra casa e tomar o banho mais demorado da minha vida.

"B?" - Ela afastava os cabelos loiros do rosto e abria os olhos com dificuldade. Sem dúvida, a ressaca também a possuia.

"To indo pra casa!" - Falei apanhando minha bolsa e resgatando as chaves do meu carro que estavam embaixo da calça jeans dela.

"Já?" - Seu tom de voz foi triste e melancólico. Aqueceu minha alma por meros segundos até a resposta vir fresca em meus lábios e minha voz pronunciar: "Pois é, tenho coisas a fazer!"

"Posso te ligar mais tarde?"

"Se assim desejar..." - Abri a porta do quarto sentindo-me podre. Não iria atender se ela me telefonasse.

Abri a porta do carro e respirei fundo. Tentei lembrar do que ocorrera na noite anterior. Minhas mãos deslizavam pela pele macia dela enquanto suspiros e gemidos escapavam de sua boca. Sentia seus músculos ficarem rigidos e os pêlos se eriçarem a cada estimulo que eu lhe dava de bom grado. Sorri de canto e dei partida no carro a fim de chegar em casa rápido. O sol já se espreguiçava no horizonte.


A solidão de minha residência esbofeteou minha face e o silêncio foi quebrado pelo eco dos meus sapatos ao caminhar. Evitava passar muito tempo enterrada em minhas lembranças. Evitava passar muito tempo comigo mesma. Evitava passar muito tempo em minha própria casa. Isso fazia minha alma ganhar vida e eu preferia optar pelo coma profundo que ela entrava quando eu estava fora dali.

Caminhei até meu banheiro e fui deixando minhas peças de roupa durante a trajetória. Larguei a bolsa em cima da pia de mármore e sem ao menos despi a calcinha, entrei embaixo do chuveiro. Esperei a água fria lavar o que entranhava-se em meu peito, mas aquela sensação permanecia ali. Meu estômago embrulhava-se em mil partes. Senti as lágrimas congelarem em meus olhos e minha garganta atar-se em um nó amargo.

Bullet for my Valentine começou a soar dentro de minha bolsa. Sai com o corpo pingando água pelo chão e quase escorregando no piso molhado e apanhei o celular. De repente, meu coração parou de bater. Em seguida, disparou só para manter-me viva. O nome dela podia ser claramente visto no visor. Meu corpo entrou em convulsão e com um suspiro longo, daqueles tomados para que a coragem brote do além, atendi.

"E aí, tais bem?" - Permaneci muda apenas ouvindo a voz dela. O pesadelo começara.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012


"Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai agüentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar."


Caio Fernando Abreu

domingo, 1 de janeiro de 2012