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domingo, 25 de dezembro de 2011

Strong?




Ela acordou sentindo o cheiro dela, mesmo tendo ciência de que a garota que acabara de aparecer em seus sonhos declarando-se apaixonada não estava ao seu lado, tampouco pronunciara tais palavras.

Desistira de entender o porquê da presença dela em todos os seus sonhos obscuros. Incomodava o fato de ela se fazer presente em todas as circunstâncias de sua vida medíocre. Quando começou a relatar tal história, prometeu a si mesma que seria a ultima vez que escreveria com a imagem dela rodopiando em sua memória.

Nos ultimos dias, parei para observa-la. O coração continuava obscuro. O olhar ainda era vago, mas algo em seu interior mudara. Fora possuída por uma frieza que acumulou durante os meses de recuperação e de medicação controlada. Fez-se livre, mesmo tendo sua alma aprisionada. Ela não se tornou feliz (a felicidade é uma grande mentira para ela), tampouco permaneceu triste. Apenas preferiu manter-se distante de si apenas para não ter de se encontrar.

Sabe aquele cansaço que tanto relatei nos últimos meses? Foi ele que a motivou. Motivo-a a esquecer de procurar as respostas e apenas a viver. Aprendeu ela com as dores que até hoje não foi capaz de mandar embora porque sente que é aquilo que a mantém viva. Que amor incondicional é lindo, mas que não deve ser entregue a qualquer um. Que depois de todos os pesares, ninguém merece tal coisa de sua parte. Hoje, ela só ama a si e a sua família. O resto... é apenas resto.

Sobre a figura de seus sonhos, ela prefere não tecer mais comentários. Sente que, mesmo tendo as lembranças ainda aprisionadas em seu intimo e sabendo que nunca se livrará delas, elas as conserva. Talvez ainda precise das lembranças que a tornam fraca para se fazer mais forte.

sábado, 17 de dezembro de 2011

De: Bruna Para: Bruna



Querida Bruna,

Eu sei, é cansativo ter de contar as horas, os dias, os meses e se perguntar o porque de ainda estar viva. Mais cansativo ainda é perder minutos, segundos, milésimos de segundos questionando quem é você ou tentando encontrar quem você é. Durante muito tempo, as palavras foram a força vital que me levou a seguir em frente. Com elas, tentei traduzir o que se passava em meu intimo, mas disso eu cansei também.

Confesso que posso comentar dizendo que tenho o péssimo habito de guardar coisas do passado. Cartas, cartões, bilhetes, camisas e o que mais você imaginar. Quando era criança, com toda a inocência daqueles que ainda são capazes de contar a idade nos dedos, pensava que no futuro ia me contentar em relembrar fatos e pessoas que passaram pela minha vida. Hoje, eu me vejo querendo queimar tudo que remete a lembranças na qual desejo esquecer. Talvez, possa eu dizer, deseje aniquilar todo o meu passado só para não ter que contemplar o que me tornei.

Nunca fui de ter muitos amigos. Nunca fui a primeira a ser notada, a ultima a dar a palavra nem a inesquecivel na vida de ninguém. No fundo, acho que sempre fui aprisionada em mim mesma e gostava de manter-me ali. Até hoje, conservo uma caracteristica que não quero perder. Aquela que me conserva a uma distância segura do mundo ao meu redor. Odeio quem ultrapassa a linha que separa meus sentimentos, ou dos que conseguem decifrar o que se passa em meu intimo. Quando isso acontece, eu fujo.

Muitas pessoas costumam confundir sensibilidade com romantismo. Sim, sou muito sensível. Até mais do que eu gostaria ser (Só para eu não precisar comentar que odeio ser sensível!), mas estou longe de ser romântica. Não consigo dizer 'Eu te amo' para quem realmente amo. Não sou atenciosa - mesmo morrendo de saudades, dificilmente irei ligar - mas quase sempre estou disponível para conversar, sobre qualquer assunto a qualquer hora do dia (ou da noite!).

Uma vez me perguntaram que cor eu seria. Respondi que seria roxo. Em seguida, me perguntaram que cor eu era naquele exato momento. Sem dúvidas, sou cinza. Uma cor totalmente indecisa. Ela não é misteriosa como o preto, muito menos iluminada como branco. Sou cinza como fumaça de incêndio. Como nuvem de chuva. Sou cinza como a indecisão. Como a tristeza.

Esqueci de comentar. Pra falar a verdade, essa é uma das coisas que eu odeio comentar. Já tenho um repertório de caracteristicas dadas pelos alheios ao que se passa em mim. Dramática, Insegura, Fraca (esse é o mais odiado!). Como não gosto de debater sobre isso (na verdade, não gosto de debater sobre nada), deixo as nomeiações e os predicados dados por aqueles que não entendem esquecidos em meu intimo. Se eu gosto de ouvir essas coisas? Lógico que não! Você gostaria? Acabei aprendendo com isso que certas coisas não devem ser debatidas, escritas, narradas ou contadas. Fiz do silêncio a minha força e deixei toda a angústia/solidão/dor que me possui em completo anonimato, mas você pode encontrá-la tatuada em minha pele ou emanando do meu olhar.

Meus ultimos sonhos foram recheados de tormenta. Acho que sempre foi assim, mas só agora comecei a me dar conta disso. Toda noite, ao fechar os olhos, sou possuída por visões tristes, fugas e medo. E aquela única presença que insiste em permanecer ao redor. Tento me convencer até hoje que a melhor coisa que me aconteceu foi a ausência repentina dela. Desejo apenas parar de ser assombrada pelas lembranças que ela me deixou. Acenei e deixei-a partir sabendo que o nó atado em minha garganta demoraria a afrouxar.

Lembra daquele cansaço que falei no início? Pois bem, estou cansada. Cansada de olhar para meu próprio reflexo e não saber direito para quem estou olhando. Cansada de ter meu coração pisoteado ou fazer da minha vida uma canção de Fresno. Mudar seria um erro? Ultimamente, tenho achado que não. Desejo então mudar. Desjo me encontrar. Desejo que você também se encontre. Talvez, se você se encontrar, o mesmo aconteça comigo.

Com carinho, Bruna.

domingo, 11 de dezembro de 2011


O despontar dos raios solares acordou-a do sono que durara apenas algumas horas. A brisa fria adentrava pela janela que ela esquecera de fechar antes de dormir. Sobre o peito magro, jazia o livro que a pusera pra dormir. Desvanecia-se a garota em suas páginas empoeiradas em busca da companhia de amigos invisíveis que fazia em cada capítulo lido. Em seus sonhos, os encontravam e deleitavam-se em longas conversas como se fossem amigos de longas datas.

Levantou-se contra a própria vontade e fitou suas feições no espelho gasto pelos longos anos de existência. As olheiras habitavam sua face e a palidez piorara depois de dias com a falta de fome. O olhar cinzento, olhos de névoa, eram tão vagos quanto os pensamentos que lhe habitavam. O silêncio da casa gritava em seus ouvidos e o quarto cheirava a mais pura solidão daqueles que preferem isolar-se do mundo.

A porta do quarto rangeu ao ser aberta e os pés descalços dela levaram-na em direção ao salão de entrada de sua morada gigantesca. O lustre de cristal deixava a casa mais fúnebre do que já aparentava ser. Contemplou ela todos os retratos de antigos parentes que já deixaram o mundo, mas que conservavam um pedaço de suas almas nas pinturas penduradas na parede de pedra. De certa maneira, eles lhe faziam companhia quando a sua já não era mais bem vinda.

Seus olhos captaram a brumas da madrugada pelas grandes janelas do salão e ao abrir a grande porta de carvalho que havia na entrada, sentiu aquela névoa acariciar lhe o corpo. Distinguiu o cheiro de pinho que vinha da floresta próxima e foi atingida pelo sopro de angústia que perpassou em seu intimo. Ainda lhe restava esperança no peito, mas a certeza já era suficientemente grande para que ela se convencesse que perderia a vida ali, imersa na solidez da ausência de alguém para compartilhar sua tristeza.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Cansada de escrever autobiografias dos meus sentimentos.
Cansada de ser julgada.
Cansada, apenas.

Eu acho que fiz disso um jogo pra jogar seu jogo
E me deixei chorar
Eu me enterrei vivo por dentro
Para poder te expulsar
E deixar você ir embora por um longo tempo.


[Buried Myself Alive - The Used]

Can you dance?


A tarde era morna quando Sue apareceu no estúdio como sempre costumara fazer nos ultimos dias. Afastou os cabelos negros dos olhos castanhos e agachou próxima a porta. A sala espelhada abrigava as garotas que, ainda sentadas no chão, amarravam as sapatilhas de ponta. Pela fresta que se abria, pôde ver a imagem dela sentada a um canto, os braços esticados e as feições doces de sempre. Mel aquecia-se para começar.
Pudera Sue, por meses, tomar coragem e finalmente deixar as palavras falarem por seu coração, mas algo lhe impedia. Talvez fosse a graciosidade de Mel que lhe tirava o fôlego. Ou talvez fosse apenas a falta de palavras para expressar o que sentia. Desejou escrever-lhe algo, como sempre fizera, mas de que adiantaria?
A música começou, doce e sinuousa. Sue apertou os olhos para ver melhor quando Mel começara a dançar. Como pudera se apaixonar por ela? Tão linda bailarina cheia e graciosidade. Parecia levitar enquanto dançava ao som de... Mozart, talvez? Sue não conhecia.
Contemplou-lhe o olhar triste que habitava suas feições. Sempre o encontrou ali. Constante. Surpreendera-se em ver que uma lágrima escorria pela face de Mel quando parara de dançar e rumava em direção a porta. Uma voz irritada gritou o seu nome, mas Mel ignorou. Abrira a porta e seu olhar recaiu sobre a figura agachada ali. Sue estendeu o corpo e tropeçou nos pés enquanto realizava tal ato. O rosto corou instantaneamente. Quisera dizer algo, entretanto, Mel não lhe dera tempo. Passou direto pela figura que acabara de encontrar e rumou em direção a saída do estúdio.
Sue assanhou os cabelos curtos enquanto as garotas da sala fitavam a porta. Desistira de entender se observavam-lhe ou se esperavam a volta de Mel. Assim, tomou o mesmo caminho que a bailarina fugitiva. Esperava encontrá-la na saída, mas com um suspiro decepcionado, desceu as ladeiras da cidade sem vê-la. Desejou estar com Mel naquele momento, mesmo que fosse para deixá-la chorar em seu ombro e nada falar.



"Escrito apenas pelo cansaço de repetir as mesmas palvras e de sentir as mesmas dores com intensidades similares. Querer mudar é errado?"

terça-feira, 6 de dezembro de 2011



Enroscado na cama, estava o corpo magro de Peggy. As paredes manchadas abrigavam o mofo de séculos sem cuidado. A TV chiava tristemente e os lençóis encardidos cheiravam a naftalina. Satisfez-se com a aparência do lugar; combinava com o interior de seu coração, necrosado pelos anos de dor contínua.

Já não recordava como havia chegado ali. Preferiu manter-se longe, numa distância segura do mundo; envolta do irreal que lhe abrigava. Os dias já não eram mais contados, as horas corriam as pressas sem Peggy se dar conta. Não havia relógios no quarto. O tic tac assombroso das engrenagens do tempo não lhe atormentava. Apenas o barulho do silêncio e uma única voz que ecoava em sua cabeça confusa:

- Você está sozinha.

Desistira de decodificar de onde viera tal voz, que pronunciava tal venenosa afirmação com tanta clareza. Não estaria ela sozinha por ter optado estar? Manter-se afastada dos olhares de pena e das palavras vazias das pessoas não lhe trouxera a calmaria de sua própria solidão?

As noites em claro lhe contemplaram com olheiras. Os cachos desgrenhados já não eram tão bonitos. Não lembrava qual fora a ultima vez que ingerira comida. Alimentara-se nos últimos meses de nicotina e doses alarmantes de álcool. As seringas espalhadas pelo chão relatavam que Peggy drogara-se minutos antes. Questionava-se porque ainda não morrera.

Pouco se permitia sorrir e chorar havia se tornado momentos de pura raridade. Peggy perdeu-se tentando se encontrar. E na tentativa se encontrar, deixou esvair o que construiu para ser. Para si. Assim, conformou-se. Estagnou-se a permanecer sem identidade, rogando para que um dia, tudo viesse a mudar.