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sábado, 27 de novembro de 2010

Courtesan - PARTE 6



As palavras de Dom Pietro agora vagavam no meu íntimo. Conjurei o mais puro sentimento que ainda sentia por Alaster. Meses se passaram desde nosso ultimo encontro e a saudade que eu sentia daquele nobre homem acabara de vir à tona. Assim que Dom Pietro deu o recado sem oferecer-me mais informações, questionei-me se desejaria vê-lo novamente. A resposta não tardou a vir. Troquei a vestimenta que estava, arrumei os meus cabelos da melhor maneira possível e fui ao seu encontro. Meu coração batia com violência no peito. Eu ansiava vê-lo novamente.
Nunca havia percebido que os corredores do Le Chat Noir eram tão longos. Ou seria devido a minha ansiedade funesta que o prolongava a cada passo? Amparei minhas mãos no corrimão da escadaria de mogno, meticulosamente encerada, e dei os primeiros passos. No salão principal, distingui a silhueta do cavalheiro abrigado na penumbra do bar. Permiti-me apreciar um pouco do calmo ar ao meu redor e fui ao seu encontro. Sem aviso prévio, a confusão se instalou. Sr. Chevalier virou-se e encarou-me com um olhar que beirava o desprezo e a compaixão. Uma de suas mãos amparava uma bengala lustrosa. A vestimenta fina e a barba bem feita davam-lhe um ar mais arrogante do que sua expressão facial já demonstrava. Não encontrei o olhar quente e castanho de Alaster. Ao invés disso, um olhar verde água que avaliava. 
Duque Chevalier tinha vindo ao meu encontro com intenções que eu desconhecia.
- Senhorita Juliete? – Sua voz era grave condenava. Apenas fiz um aceno de cabeça e confirmei. Ele me lançou um sorriso sádico.
Nenhuma palavra foi dita até ele recomeçar.
- Creio que deve saber quem eu sou, correto? – A segunda pergunta lançada sobre mim parecia querer resposta.
- Seria uma tola se não soubesse. – minhas palavras quase mudas rastejaram e depositaram-se sobre os pés daquele homem.
Outro sorriso foi oferecido a mim, áspero e nocivo.
- Creio que essa seja uma boa notícia, então! – ele prosseguiu. – Deve saber que sou um homem de objetivos e não costumo desperdiçar o meu tempo.
-Compartilho a mesma característica, Duque Chevalier. – ofereci a ele uma reverência em sinal de respeito. – Então lhe peço que não gaste o seu tempo nem o meu com pré-conversas! Peço-lhe que me fale logo que o trouxe aqui.
- Qual é o seu preço para esquecer meu filho? – seu olhar verde penetrou-me com força.
- Minhas sinceras desculpas pela extrema ignorância, Duque Chevalier – minhas palavras eram calmas, porém, o desprezo que sentia carcomia-me por dentro. – mas seu dinheiro não pode pagar tal coisa. Está acima de qualquer bem material ou riqueza. Nota-se que está acima de sua compreensão também já que o Senhor se deu ao trabalho de vir até aqui fazer-me uma proposta como esta.
A postura refinada do Duque desvaneceu-se em um sopro e seu rosto se contorceu com a tamanha petulância de minha parte. Claramente, ele tomou fôlego para rebater minhas palavras.
- Permita-me dizer que não será necessário tamanho investimento. – Fitei-o longamente. – Não busco o seu filho, ele que vem até mim. – Encarei seus olhos uma ultima vez e deixei que provasse uma dose do meu castanho. Por fim, entreguei-o minha ultima declaração:
- E não se preocupe, Duque Chevalier... Ele não me honra com sua presença há meses.
Com mais uma reverência, rumei até as escadas, deixando aquele homem da alta sociedade francesa em completo estado de estagnação.


O salão encheu de uma maneira inacreditável. Durante cinco anos vivendo ali, nunca havia visto o Le Chat Noir tão amontoado de cavalheiros; eles aguardavam ansiosos ao início da apresentação de dança. Naquela noite, em especial, tomei a decisão de não me apresentar à dança. Juntei-me às cortesãs de passeavam pelo salão, seduzindo os cavalheiros que apreciavam os corpos a se mexer sobre o palco. Providenciei um vestido que evidenciava o tamanho dos meus seios não tão fartos, mas dignamente aproveitáveis, e acentuei minha cintura com o corselet de cor vermelho vinho.
Transitar no salão não foi algo tão simplório. A cada passo, sentia palmadas e afagos nas nádegas.  Agarravam meus seios e recitavam-me palavras obscenas. No auge máximo do auto controle, a sutileza dele me surpreendeu.

Antony Irving.  Era o seu nome.

Eu rumava ao encontro de Isabele, confidenciaria a informação sobre a chegada do cavalheiro que ela aguardava, quando a mão de Antony envolveu meu pulso. Sua fala era mansa e temperada com sotaque britânico. O cabelo negro caia sobre a face pálida. Preservava um olhar misterioso nunca visto. Pensei que encontraria nele a solução para esquecer Alaster. E seguindo minhas intuições, doei-me a ele. Doei-me inteiramente. E em meio ao ato, pude provar das piores sensações. Era como voltar ao início de tudo. Retornar cinco anos.

- EU PRECISO FALAR COM ELA!
Gritos.
- Sr. Chevalier, controle-se! – Dom Pietro buscava acalmar o causador do alvoroço.
Levantei-me numa velocidade recorde e comecei a recolher minhas vestes. Antony despertou do cochilo e encarou-me numa confusão extrema.
- POR FAVOR, DOM PIETRO, POR FAVOR! – Alaster implorava chorosamente; o desespero escorrendo do seu tom de voz.
- Queira se acalmar, Sr. Chevalier... Por Deus! – Era notável a inutilidade das tentativas de Dom Pietro. A calmaria tardaria a chegar ao filho do Duque.
 Vestida e ciente do que faria, encarei Antony Irving, pedindo-lhe um perdão mudo e sua reposta veio da mesma forma. Ele incentivou-me com o olhar calmo enquanto meu nome soava pelos corredores. Um chamado melancólico de doer à alma.
Abri a porta do quarto e acenei para a situação que se postava a minha frente.

Ela me devolveu o aceno.

domingo, 21 de novembro de 2010

Courtesan - PARTE 5



Todos nós temos segredos.
Sejam eles grandes ou pequenos, buscamos incansavelmente escondê-los.

Ninguém sabia que as tábuas do assoalho daquele quarto ocultavam de forma tão completa. No anseio de esconder aquela caixa, busquei na tábua solta, que sempre protestava com um ruído sombrio ao pisar, o lugar ideal. Um maço de cartas, presas com uma fita de cetim vermelha, revelavam notícias mandadas semestralmente por uma mãe amargurada, que não aceitava a ausência da filha. Juntamente a elas, podia-se encontrar relatos da uma vida no Le Chat Noir repleta de lúxuria excessiva. Eram palavras mortas, rabiscadas em papel e esquecidas com o tempo.
Numa madrugada morna, podia-se notar algo a mais reluzir nos meus olhos cansados. Talvez o brilho nos meus olhos superasse o das safiras da pulseira. A esperança parecia ter se jogado aos meus pés e eu a tivesse absorvido. Quando adentrei no quarto, certifiquei-me de que todas as outras estavam adormecidas e busquei a caixa no esconderijo. Sentei-me no chão e, cuidadosamente, a abri. 
O cheiro de segredo me atingiu. 
Acomodei a pulseira num cantinho da caixa que parecia só estar esperando-a. Em seguida, rendi-me a relatar os acontecimentos. Escrevi, com a caligrafia fina, tudo que necessitava expor. O quanto à felicidade havia me bombardeado após saber da reciprocidade do filho do duque. Passei minutos arranhando o papel com as declarações da mais bela noite que tive, guardando a carta juntamente com a pulseira em seguida. A caixa abraçou mais um de meus segredos. Permiti-me, após, aproveitar as horas de sono que ainda me restavam, desejando que Alaster me honrasse com sua presença em sonho.

A palma de minha mão ainda ardia. O rosto de Daphné exibia a marca da recente agressão. Algumas mechas de seu cabelo desprenderam-se do seu penteado. Ainda segurava a pulseira firmemente como se viver dependesse daquele ato. Nicole nos observava longamente, o pânico escorrendo de suas feições angulosas.
- você não tinha esse direito! – cuspi as palavras em Daphné. – queira me devolver isso, por favor!
Uma das sobrancelha de Daph se ergueu num puro sinal de desdém e a pulseira voltou ao local que antes estava, escondida dentro do decote generoso dela.
Lenora entrou no quarto e aspirou o ar carregado que pairava. Parecia intoxicar qualquer um que tivesse contato com ele.
- O que está acontecendo? – perguntou.
- Não me obrigue a repetir, Daph – meus passos iam de encontro a ela e as lágrimas abandonavam meus olhos. Uma por uma. Em sincronia. – me-devolve-a-pulseira.
Não houve reação da parte dela. Seu olhar deixava a mostra à satisfação que sentia. Meu desprezo para com ela parecia evoluir a cada segundo que se arrastava. Tentei investir em seu decote e arrancar a pulseira dali, mas a inutilidade da atitude foi logo vista. Notava-se que as atitudes dela começavam a surtir efeito. Uma raiva nunca sentida agora me habitava.
- Se ousar me bater de novo... eu juro pelo que é mais sagrado que queimo as cartas da sua mãe! – as palavras de Daphné me esbofetearam.

Eu a esbofeteei usando as mãos.

Primeiro sinal de briga no Le Chat Noir: gritos agudos se espalham pelo recinto.
Segundo sinal de briga no Le Chat Noir: passos apressados percorrem os corredores.

Foi um combate de unhadas e cabelos puxados. Quanto mais eu agredia Daphné, mas sentia vontade de agredi-la. Teria arrancado seus olhos se não fosse a presença repentina de Dom Pietro, que se deteve em agarrar-me pela cintura e interromper o conflito. Aquela altura, uma platéia infinita de garotas contemplava o fim da briga, tumultuando a entrada do quarto principal. Havia alguns rasgos no vestido de Daphné. Ela chorava com cinismo.
- O que vocês pensam que estão fazendo? – Dom Pietro pronunciou-se.
- Você é invejosa, fria e cruel! – minhas palavras foram direcionadas à Daph. – Eu espero que seu espírito podre e carniceiro queime no inferno.
Desvencilhei-me do aperto de Dom Pietro e rumei em direção à porta. Um silêncio incomodo e tenso foi sutilmente depositado no ambiente.
- Mas uma coisa... – quebrei-o sem mais objeções e as atenções se voltaram para mim. – quero que me devolva as cartas de minha mãe! E se você ousar fazer alguma coisa com elas... não acordará viva na manhã seguinte.
Ao sair do quarto, encontrei a pulseira de safiras aguardando-me na entrada do quarto. Imóvel e viva. Brilhava intensamente como sempre. Apreciei sua beleza por alguns segundos e tomei-a nas mãos, desaparecendo no corredor escuro em seguida.

Novembro se arrastou preguiçoso. Já se podiam ouvir comentários a respeito do casamento do filho do Duque Chevalier com a simpática filha da Condessa Laforet. Os curiosos e mais bem informados diziam que a moça tímida não passava dos dezessete anos. Vi na história da pequena Laforet reflexos do meu passado.
Na manhã do dia vinte e três, desfiavam os primeiros vestígios de um outono frio. Dom Pietro nos honrou com um passeio à tarde por uma Paris decorada com um céu cinzento. As folhas que se desprendiam das árvores forravam as ruas, formando um magnífico tapete marrom. Detive-me na vitrine de uma famosa modista francesa e abusei do meu anonimato para encomendar um novo vestido. Em seguida, na companhia de René, visitei uma doçaria e provei de tudo que ela poderia me oferecer, não descartando sua maior especialidade: Croissant.
Sentia falta da liberdade.
Retornei ao Le Chat Noir acompanhada por uma garoa fina e um frio que fazia-me tremer o corpo e o pensamento. Abriguei-me no quarto principal, encontrando sobre a cama as velhas cartas de minha mãe. Questionei-me qual fora a ultima vez que cruzei meu caminho com o de Daphné. A noite lá fora fez-se opaca e eu só desejava adormecer. O sono já me alcançava e eu sentia seus toques...
- Juliete... – A voz de Dom Pietro agarrou-me com força e eu me desprendi do sono. – Alguém está a sua procura lá no hall.
- Quem? – sentei-me na cama.
- Sr. Chevalier.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Courtesan - PARTE 4



Que grande ironia; a tristeza acenava para mim.

Não fazia ideia de quanto tempo estava naquele quarto, havia perdido a noção do tempo que passava. Sabia apenas que fazia frio. Muito frio.
Sentei-me na poltrona de frente para a janela e fitei a vidraça embaçada pela névoa. O silêncio começava a doer os ouvidos... Um silêncio sepulcral que transpirava solidão.
 Por mais que eu evitasse recordar à imagem dele, todo meu esforço parecia ser em vão. Relembrei dos toques precisos das mãos dele explorando meu corpo e de sua saliva queimando a pele do meu pescoço. Algumas lágrimas umedecerem minha face.
Adormeci ali de olhos abertos.

- Juliete – ouvi a voz de Dom Pietro. – Minha querida, você precisa sair desse quarto...
Fitei-o longamente. Li na sua face barbuda e no seu olhar azul uma expressão preocupada. Sua boca balbuciava mais palavras, entretanto, sua voz se perdia no intimo dos meus pensamentos; não conseguia entendê-la.
- Não seria melhor... deixá-la aí, Dom Pietro? – a imagem de René surgiu trás dele e entrou em foco, sua voz melancólica pronunciando-se.
- O que? E deixá-la morrer nesse quarto? – ele curvou-se em minha direção e checou minha temperatura corporal. – Juliete não come há dias, impregnou-se de uma tristeza infinita e se refugiou do mundo... – senti as grandes mãos de Dom Pietro acariciarem minha face e seus olhos encontrarem os meus. – o que está havendo, minha querida?
Não me dei ao trabalho de respondê-lo. Rendi-me a envolver seu pescoço e reconfortar-me em seu abraço. Nenhuma palavra foi dita; o silêncio do quarto foi sutilmente quebrado pelos soluços do meu choro.
- Tudo bem, Juliete! Eu estou aqui.

A chama da vela iluminava a pele morena dele enquanto eu acariciava seu peito. Seus braços envolviam meus ombros e sua respiração lenta batia em minha face. Fitei sua expressão pensativa e notei imediatamente que algo estava acontecendo. Livrei-me calmamente do seu abraço e sentei-me na cama.
- Teu silêncio me assombra. – disse calmamente.
- Juliete – ele começou, parecia estar escolhendo as palavras com cuidado. – Você já deve saber que eu venho de uma família muito importante, que os Chevalier mantém uma relação de grande interesse com outras famílias igualmente importantes e...
- Onde está querendo chegar, Alaster? – apressei-o, senti o gosto amargo da angustia me possuir.
- A questão é que; é de grande costume as famílias selarem laços de afinidade e... – ele continuou.
- Eu entendo bem o que é isso, Sr. Chevalier! Não preciso que me explique. – encarei seu olhar que, agora, transbordava uma aflição notável. – quero apenas que diga o que estou me preparando para ouvir.
- Eu vou me casar em novembro.

Naquela noite, eu havia sonhado com ele. Sua imagem serena ainda brincava quando despertei pela manhã. Passei um tempo incontável deitada na cama, travando uma luta cansativa contra minhas próprias lembranças. Fitei longamente o teto do quarto e decidi levantar dali. Caminhei até o espelho da penteadeira maciça e contemplei minha expressão cansada e melancólica.
Me permiti tomar o longo banho e vestir um dos melhores vestidos cedidos por Dom Pietro. Ajeitei meus cabelos de forma meticulosa, quase obsessiva, e desci para o salão do cabaret. A primeira vista, deparei-me com o sorriso aberto de Lenora. Em seguida, René surgiu ao meu lado e presenteou-me com um abraço forte. (Dom Pietro fez questão de espalhar para as demais garotas que eu estava com uma doença forte, mas que logo melhoraria. Não pensaram elas que, na verdade, eu possuía o mal do amor.) Isabele convidou-me a aprender a nova coreografia para a apresentação daquela noite. Eu aceitei. E eu dancei. Dancei com uma vitalidade nunca vista. Talvez eu buscasse ali as forças que necessitava para continuar vivendo.

Anoiteceu tão rápido que nem me dei conta. Após um delicioso banquete, eu já me aprontava para a apresentação. As outras cortesãs não tardaram a aparecer. Rotineiramente, Dom Pietro nos anunciou e, assim que a música começou, entramos conforme a batida do ritmo. Os movimentos sensuais e precisos enlouqueciam os cavalheiros conforme o previsto. Encarei a multidão que se aglutinava junto ao palco e não encontrei o que procurava.
Um suspiro de alivio escapou dos meus lábios. Ele não havia aparecido.
Após o termino do show, três cavalheiros imploraram por uma noite com a dama vestida de magenta. Desta vez, Dom Pietro dispensou os cavalheiros, dizendo que “a dama de magenta, cujo nome era Juliete, não estava disponível naquela noite”. Voltei ao quarto e deitei-me na cama, adormecendo minutos depois.

- ISSO É UMA TREMENDA INJUSTIÇA! – aquela voz, fria e aguda, gritava. Alguém urrava num misto de revolta e indignação. A porta foi escancarada e colidiu violentamente com a parede. Abri os olhos em tempo de ver Daphné se aproximar, fervilhando de fúria.
- Daphné... – Nicole surgiu no quarto, arfando como se tivesse corrido quilômetros.
 - Você acredita ser muito importante, não é Juliete? - Daph falava com o rosto a centímetros do meu, seu olho verde transbordando desprezo.
- o que se passa? – disse calmamente, o coração pulsando dentro do peito.
- Por que Dom Pietro sede tanto aos seus caprichos? – ela disse indignada, Nicole assistia a cena, aflita. – Não consigo compreender porque você tem tantos privilégios aqui, já que você só é mais uma prostituta. Uma-reles-cortesã. Acreditou realmente que Sr. Chevalier estivesse apaixonado por você?
- você não sabe o que está dizendo, Daph – falei, senti meu coração acelerar de repente. – está fora se si.
- Você realmente acha que vai sair dessa vida? – Daphné feria-me com suas palavras. – Você realmente acha que vai conseguir se casar com o filho do duque só porque ele te deu uma jóia de presente?
- Como você sabe a respeito dessas coisas? – balbuciei, minha voz falhou.
- Pára de sonhar, Juliete – Daphné retirou a pulseira de safiras, que estava escondida entre seus seios, e me mostrou. – pára de tentar se iludir com uma coisa que não existe. Não deixe a tolice tomar o lugar do seu bom senso. Você nasceu pra satisfazer os cavalheiros... e nunca vai passar disso.
Aquele velho nó em minha garganta foi reatado, meus olhos embaçaram momentaneamente antes que algumas lágrimas escapassem fugitivas.
- Acho que foi por isso que sua família te recusou. – ela me fitou longamente, agora de maneira satisfatória.
Num ultimo instante, minha mão foi ao encontro da face de Daphné. Minha boca falou pelo meu coração munido por um ódio incontrolável.
- Cala a boca.

domingo, 31 de outubro de 2010

Courtesan - PARTE 3

Eu tinha quinze anos na época.

Eu era uma garota burguesa, com uma mente repleta de sonhos esperando para serem realizados. Eu era um coração que pulsava com ideais. E não custou-me chegar a conclusão que os ideais de minha família não se assemelhavam aos meus. Foi aos quinze anos que meu pai decidiu que, se eu não aceitava as decisões impostas a mim, não viveria mais sobre o mesmo teto que ele. As ruas francesas me receberam de braços abertos.
Foram meses difíceis. Me perguntei se teria valido mais a pena ter aceitado aquele casamento arranjado do que vagar sem rumo pelos becos parisienses... Onde a névoa fria das noites congelava minhas entranhas perdidas. Eu adormecia nas calçadas úmidas com o intuito de nunca mais despertar. Refugiava-me nos sonhos que ainda me restavam.

Certa tarde, Pietro Carter cruzou meu caminho. Literalmente declarando.

Naquela tarde, apaguei após ser atingida pelo automóvel que costumava transportá-lo. Despertei algumas horas depois – precisamente, oito horas depois – acreditando estar no céu. A figura simpática de Dom Pietro me fitou. Em meio à barba meticulosamente feita, distingui um sorriso de boas vindas. Le Chat Noir  me acolheu e ali permaneci.



Alaster Chevalier se tornou um árduo freqüentador das noites oferecidas pelo Le Chat Noir. Negava-se experimentar outras cortesãs – algumas com habilidades maiores que as minhas – e exigia minha presença no quarto sete após o término da apresentação de dança, oferecendo quantias generosas quando eu me recusava a comparecer.
Numa noite, desatei a chorar enquanto as outras garotas fitavam-me sem entender. René decifrou meu olhar aflito e envolveu-me num abraço. Meu rosto foi sutilmente acomodado em seus seios fartos. Perguntei: Por que eu?

No Domingo, religiosamente, ele compareceu. Sentava-se nas mesas de canto do salão e contemplava sutilmente o movimento das saias que voavam à dança enquanto outros cavalheiros recitavam obscenidades para nós. Assim que a dança terminou, não me demorei no camarim. Tirei o arranjo do cabelo e rumei pelos corredores escuros.
Ele já me aguardava no quarto quando entrei. Se postava num canto do cômodo, acomodado numa poltrona e imerso na penumbra.
- Tenho algo pra você. – ele falou, erguendo-se e esboçando um sorriso leve.
- O que? – perguntei, sentindo a curiosidade começar a fervilhar meu sangue.
Sua mão apontou para uma caixa preta, coberta por veludo, pousada sobre a cama. Tomei a caixa em minhas mãos e fitei-o enquanto ele sentava-se ao meu lado. Seu olhar me incentivou e, quando abri a caixa, mal pude acreditar no que vi. A pulseira de safiras reluziu com a luz tênue do quarto. Mal consegui disfarçar minha expressão surpresa. Alaster pegou a pulseira da caixa e eu lhe ofereci o pulso. Colocada ali, contemplei-a.

A mais bela jóia que já havia visto.

Nada mais foi dito por um longo tempo. Rendi-me apenas a sentir suas mãos explorarem meu corpo. Elas me faziam querer explodir. Aquela costumeira sensação de satisfação me fez sorrir. E, ao que parecia, a sensação também o visitava. Eu o beijava intensamente enquanto Alaster ocupava-se em arrancar-me às vestes e apalpar minhas nádegas. Um pedido dele era quase um ultimato para mim agora; assim postei-me sobre ele e realizei seu desejo. Numa total sincronia, senti a sensação de extremo prazer arrepiar-me por completo e me causar constantes espasmos. Até a exaustão nos atingir.
Aninhei me junto ao seu corpo enquanto seus lábios depositavam em meu pescoço beijos persuasivos. Seus dedos passeavam pela linha da minha coluna. Aspirei seu perfume como se aquele fosse o ultimo momento. Apreciávamos a presença um do outro.
- Eu te amo. - sua confissão me bombardeu.

Silêncio.

- Eu também. – admiti derrotada.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Courtesan - PARTE 2


Lábios vermelho sangue. Vestido com rendas e fitas. Uma tiara que decorava os cachos. Um instinto que complementava. Não se desprezava a necessidade dele. O instinto.

Nicole dava os últimos retoques em sua maquiagem bem elaborada enquanto Lenora me auxiliava com o corselet; puxava e apertava, anulando minhas chances de respirar e diminuindo dez centímetros da minha silhueta. Pietro já anunciava aos freqüentadores do Le Chat Noir que nos apresentaríamos dentre alguns minutos. Muitas das cortesãs já se encaminhavam para o palco. Ergui-me lentamente, sentindo a compressão de meus pulmões. Ajeitei meus seios dentro do vestido magenta e acompanhei a massa de garotas que andavam apressadas, já ouvindo os urros excitados dos cavalheiros.
A música foi iniciada e eu respirei fundo, meu coração golpeava meu peito como se desejasse pular fora dali. Intimamente, eu sabiao que temia. Hesitei momentaneamente antes de entrar no palco, porém os segundos não estavam a meu favor. As cortinas se abriram e René agarrou minha cintura conforme a coreografia. Imediatamente, segurei as anáguas do vestido e entrei numa fila perfeitamente alinhada.
Em meio a giros e saltos, jogadas de pernas e de saias... Em meio à batida lenta e rápida da melodia persuasiva e aos gritos e aplausos dos cavalheiros empolgados, distingui aquele olhar. Meu corpo reagiu com um espasmo. Ele se encontrava numa das primeiras mesas perto do palco, suas mãos se encontravam numa sincronia perfeita em palmas. Precisas e calmas. Um Martini descansava em sua mesa. Outras cortesãs passavam ao seu lado e acariciavam seu peito; fatos que não abalava sua fleuma nem desviava sua atenção. Teria agradecido se ele tivesse parado de inflamar minha pele com os olhos. A íris em chamas. Embalei-me até o fim, ignorando sua presença ali até a batida final. Ele se ergueu e sua voz se misturou aos gritos dos outros. Não esperei os agradecimentos.

- Eu já disse que não vou! – Enfatizei meu desejo.
Uma multidão de garotas estava reunida na porta do quarto principal. Assistiam a discussão como expectadoras fiéis.
- Juliete – Pietro segurou meu rosto com as duas mãos e penetrou-me com sua íris azul que fazia doer à consciência. – Você não está entendendo! Ele-está-pagando-o-dobro!
- Dom Pietro, sei que isso está acima de sua compreensão – falei a beira de um ataque de nervos. – Mas use o bom senso uma vez na sua vida e ignore os apelos dos seus bolsos... Eu não posso atender o Sr. Chevalier!
- Isso não depende mais das suas escolhas, Juliete! – Pietro largou minha face como se, momentaneamente, estivesse eletrizada. – Ele lhe aguarda no quarto sete.
Um nó foi atado em minha garganta e Natalie fitou-me longamente. Lenora pronunciou um “sinto muito!” mudamente. Levantei, sentindo o choro amargar a boca e passei pelas garotas que me acompanharam com uma atenção incomoda. Algumas delas disseram: - Boa sorte!

Anunciei minha presença com três batidas na porta de carvalho e abri. Um cheiro de cigarro pairava no ar, misturados com um perfume persuasivo que ardia os pulmões. Logo notei sua presença. Parado na janela, ele contemplava a paisagem da noite Francesa. Fechei a porta, que estalou ao ser trancada, e sua atenção se voltou para mim. Meus pés criaram raiz no carpete verde musgo e me impossibilitaram de dar algum passo. Minha voz foi engolida pela ansiedade.
Chevalier sentou na beirada da cama e estendeu-me à mão. Uma força maior me fez caminhar em sua direção até que suas mãos pudessem tocar minha cintura.
- Fico feliz que esteja aqui. – sua voz sedosa atingiu-me com a confissão.
- Sr. Chevalier... – comecei.
- Alaster. – corrigiu-me. Cada poro do meu corpo reagiu ao seu tom de voz. Suas mãos hábeis desfaziam os nós do corselet apertado e, pela primeira vez na noite, senti o oxigênio intoxicar-me internamente. Acariciei seu cabelo displicentemente, sentindo seus toques precisos e notando a correspondência do meu corpo a todos eles. A resistência não poderia mais existir naquele momento. Enquanto ele despia minhas saias, rendi-me a sentar em seu colo e beijar-lhe os lábios. Suas mãos afagavam meus cabelos e exploravam minhas costas.
Em meio aos devaneios da madrugada que caminhava preguiçosa, pude sentir sua boca explorar as restrições do meu corpo. À medida que isso acontecia, eu devolvia-lhe o agrado conforme o desejo aumentava. Quando nossos corpos se alinharam, ele me fez subir do inferno ao céu em uma só estocada. A sincronia do movimento perdurou até eu sentir a sensação formigar minha pele. Deixei escapar uma rajada de ar retida em meus pulmões e deitei-me ao seu lado. Encarei seu olhar silencioso que me dizia algo. De certa maneira, eu consegui decodificá-lo. Só não desejava acreditar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Courtesan - PARTE 1



O sol se espreguiçava no horizonte quando acordei. Banhava o quarto com uma claridade que fazia doer os olhos. Tateei o velho relógio e consultei-o. Cinco e meia. Havia amanhecido tão rápido que eu nem havia me dado conta. Meu corpo protestava de cansaço e exigia permanecer ali para compensar o sono acumulado de noites seguidas. Ignorei-o. Ao meu lado, um corpo suspirava enquanto dormia. Virei-me o suficiente para ver quem era. O rapaz nu jazia por entre as cobertas brancas que cobriam-lhe as partes intimas. O peito despido subia e descia ao seu respirar. Recordei suas feições assim que havia entrado ali. Poderia passar o resto do dia contemplando seu sono calmo.
Vencendo o cansaço, lancei minhas pernas para fora da cama bagunçada e levantei lentamente, recolhendo minhas vestes que, tão meticulosamente, ele havia tirado na noite passada. Vesti-as calmamente, colocando todas as saias e vestidos, apertando por fim o corselet que moldava minha cintura. Abri a porta com cuidado, almejando não despertá-lo e sai do quarto. Rendi-me a caminhar silenciosamente pelo corredor de portas fechadas, ignorando gemidos, suspiros e roncos dados por trás delas. Enquanto caminhava, recuperei vestígios de lembranças da noite anterior e esbocei um sorriso.
- Vejo a satisfação brilhando em seu olhar, Juliete. – aquela voz. Fria e aguda me causava uma ânsia quase insuportável. Seu tom carregado de desprezo chegava a doer na alma. Virei-me para encarar o verde frio dos olhos de Daphné, enquanto um sorriso cínico brincava no canto dos lábios vermelhos e desenhados dela.
- Não encontro motivos para sentir satisfação, Daph! – respondi. – O simples fato do filho do Duque ter optado por mim não é capaz de me fazer sentir orgulho. Eu não sou você! – Desprezei sua resposta e rumei para o quarto que costumava abrigar todas nós quando não estávamos acompanhadas. Ergui as longas saias para permitir-me subir a escadaria e bati na porta. Pude ouvir as vozes de René e Nicole debatendo sobre algo e, pausadamente, pronunciarem-se em uníssono: - pode entrar!
Abri a porta e esgueirei-me para dentro do quarto, sendo surpreendida pelos gritos agudos das garotas que me puxaram assim que fechei a porta. Natalie, Lenora e Isabele, que antes se distraiam com alguns chapéus de pena, se juntaram ao conjunto de outras delas que corriam em minha direção. René obrigou-me a sentar numa das poltronas do quarto enquanto Nicole dizia: - Não nos esconda nenhum detalhe!
- Não tenho nada a declarar! – Pronunciei-me, divertindo-me com a curiosidade delas.
- Claro que tem! – Lenora disse.
- Conte-nos tudo! – Isabele completou.
Sorri involuntariamente e aquela cachoeira de saias e penas se acomodaram no chão do quarto coberto pelo carpete vermelho sangue enquanto eu relatava os acontecimentos da noite anterior. Ouviam-se suspiros, risadas e gritinhos histéricos partidos delas até a conclusão do relato. Um silêncio foi implantado no cômodo enquanto todas elas fitavam-me com curiosidade.
- ele irá retornar! – Natalie afirmou convicta de si.
- descarto esta possilidade. – levantei-me e despi alguma das saias, deitando-me na cama que ocupava ali. Sabia que, de uma forma ou de outra, eu desejava no meu intimo que ele realmente retornasse. Naquele momento, eu estava quebrando as regras que impuseram a mim ali.
- ele irá retornar! – Nicole cochichou no meu ouvido antes de deitar-se na cama ao lado.
Encarei-a longamente e ela lançou-me um ultimo sorriso antes de ocupar-se com um livro de contos eróticos. Tentei não pensar naquela possibilidade.

Na noite seguinte, a profecia delas se cumpriu. Ele retornou.

domingo, 10 de outubro de 2010

Snow


Tudo era branco. Branco sujo. Branco Gelo. Branco neve.

Neve.

Fazia um bom tempo que não nevava. Dois invernos... pode-se assim dizer. Aquele manto branco, que havia se ausentado por tanto tempo, agora estava em toda parte. Cobrindo telhados, gramados, casas e o que mais viesse à cabeça. Naquela tarde, eu tinha finalmente tomado uma decisão e, naquele exato momento, eu rumava pensativa, tentando organizar minha cabeça confusa.
 A rua deserta tinha um cheiro de silêncio que se sentia no estômago. Na certa, a população castigada pela nevasca de três dias jaziam no conforto de suas residências. Mas eu não. Eu já não suportava mais ser engolida pela solidão da minha casa. Eu senti a necessidade de provar o frio rigoroso de novembro que fazia doer os ossos. Consultei meu relógio de pulso; os ponteiros pareciam atropelar o tempo. E o tempo... Este não parecia estar com pressa em passar. Ele bocejava.
Aos tropeços, continuei caminhando, sentindo meus pés afundarem naquele glacê sem sabor a cada passo que eu dava. Tentei preparar um pequeno discurso, eu não fazia ideia do que falar. Pedir desculpas talvez? Encarei o céu cinzento e senti culpa. Não havia sol. Não havia nuvens. Apenas o cinza sepulcral. Combinava com o branco. Pareci estar enterrada num filme antigo.
Ajeitei o cachecol no pescoço e escondi minhas mãos dentro dos bolsos da jaqueta. Era o refúgio quente que elas necessitavam. As árvores despidas pareciam mirar cada um dos meus atos. Seria satisfatório se elas segurassem minha mão e me levassem até lá.

Lá.

Não ia lá desde o ocorrido. Não tive forças pra voltar. Deixei os as horas engolirem os minutos e os dias devorarem as horas. E dessa forma, uma semana se passou.
Virei à esquerda, já conhecendo o caminho de uma forma sublime. Conhecia tanto o caminho quanto desconhecia a mim mesma. Ali já não havia neve. Porém, a estrada estava coberta de água derretida e pedrinhas de sal rangiam ao pisar. Parei. Contemplei longamente a casa, relembrando os momentos que vivenciei ali. Ri intimamente quando notei que ele havia retirado a neve da passagem até a porta. Deveria ter feito o mesmo. Teria me poupado o trabalho de pular a janela pra sair de casa.
Um último suspiro escapou e, assim decidida, caminhei até a porta. Meu dedo encontrou a campainha e o som ecoou pela casa inteira, estremecendo e arrepiando cada pêlo do meu corpo. 

Nada.

Ninguém.

Estiquei meu braço novamente, almejando tocar mais uma vez. Detive-me no meio do ato. Uma fresta da porta foi aberta e os olhos dele espreitaram minha figura constrangida. Provida de arrependimento. Não havia esquecido a magnitude do olhar castanho-latino dele. Apaixonante. Inesquecível. Fui recebida com uma expressão de surpresa se materializou no rosto dele ao me fitar. Atendi ao apelo do meu pulmão e tomei um pouco de ar com o intuito de dizer algo. Não tive tempo. Ele fechou a porta antes que qualquer palavra pudesse escapar dos meus lábios. Suspirei. Meu coração protestou. Eu sabia que isso iria acontecer. A errada era eu. Mas ali estava eu, pisando no meu orgulho e despertando a humildade adormecida em mim. Será que eu tinha sido tão estúpida a ponto dele nem querer estar na minha presença?
Engoli em seco e dei meia volta pra retornar à minha casa. O céu derramava flocos de neve sobre a cidade. O ar estava tão gélido de cortar a alma. Interrompi o primeiro passo ao ouvir um rangido, denunciando que a porta havia sido aberta. Contemplei o corpo parado na entrada da casa. O cabelo bagunçado, a camiseta do Ramones, o sorriso tímido que exibia-lhe as covinhas.

Sorri.

Sorri como não havia feito há uma semana.

Caminhei até ele e encarei seu olhar que despejava calmaria. Parecia querer ler meus pensamentos. Isso conflitava-me. Tomei fôlego para falar algo. Não sabia o quê, mas eu precisava falar. Seu dedo interrompeu-me. Foram segundos de silêncio que aparentaram ser milênios. Por fim, ele sorriu e pronunciou-se:
- Senti sua falta!


sábado, 2 de outubro de 2010

amar?


Não era a primeira vez, já havia me adaptado aquele acontecimento. Deparei-me, mas uma vez, fitando o horizonte e pensando em você. Desde o começo, perguntei a mim mesma se valeria a pena encarar tudo sem medo. Me faltava lágrimas para esboçar qualquer tipo de angustia presa, já havia chorado o suficiente por uma vida inteira. Sempre foi um péssimo hábito. Eu regava lembranças de um passado que se fazia presente em todos os momentos. E chorava. Chorava como se todas as recordações tivessem acabado de ocorrer, mas que, porém, o tempo já tinha o matado. Depois eu me questionava porque eu mantinha aquelas lembranças e chorava novamente. Me recuperei, finalmente, desse fardo e percebi que meu passado deveria morrer. Passados nunca são bons, nos trazem lamentações por ter tomado uma atitude errônea, ou então por não ter tomado atitude nenhuma. Nos faz lamentar ter amado demais, ou não ter amado. Amar demais... Algo bem complexo a se pensar. Certa vez, você me disse que a cabeça está em cima do coração pra emoção não passar a razão. E eu lutei até os últimos vestígios de forças para fazer minhas as suas palavras. Não obtive sucesso. Eu já estava apaixonada por você e nada iria mudar isso. Não posso afirmar que foi fácil. Na verdade, não foi nem um pouco. E doeu. Doeu muito por um longo tempo. Eu não podia recorrer a minhas forças. Já havia perdido-as tentando lutar com todo aquele sentimento que me afligia. As forças vieram dos que estavam ao meu lado. Eles sustentavam minha alma como podiam. Senti vestígios da angustia, que momentaneamente senti, escorrer pela minha face e seu gosto salgado encontrar meus lábios. Não demorou muito para ser substituído por um doce sorriso. Aquele que foi trazido junto com a lembrança da sua voz pronunciando que me amava.  E desde aquele dia, eu nunca mais fui a mesma. Sentia-me completa. Viva novamente. Forte novamente. Desejei naquele momento encontrar a paz em seu abraço, entorpecer-me com seu cheiro e provar do seu gosto.

Não irá tardar a acontecer... Só restam três meses. Noventa e dois dias. Duas mil duzentas e oito horas que serão engolidas pelo tempo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

tempo.






"I'm not living
I'm just killing time"


O mundo parecia não estar disposto a parar para que eu me recuperasse. Estava tudo certo por mim, decidi que não levantaria até segunda ordem. O sorriso doce que brincava em meus lábios há algumas horas atrás foi substituído pelo choro amargo e pelas lágrimas de sal. O mesmo mundo que se recusava a parar, parecia ter desmoronado sobre mim. Naquele momento, tudo parecia imperfeito, minha incapacidade floresceu e por mais que as tentativas fossem muitas, os resultados eram mínimos. Pensei em abandonar tudo. Meus sonhos, desejos, vontades, ideais e o que eu já havia conquistado.
A cada pensamento, as horas pareciam correr. A cada hora que passava, eu parecia ficar para trás. E Enquanto eu ficava para trás, passei a lamentar por isso. Rendi-me apenas a perder mais tempo. Olhei ao redor e meu quarto parecia cada vez mais incerto. Me senti fora dos padrões. Um peão de xadrez num tabuleiro de damas.
Bateram na minha porta e pude distinguir a voz dela, perguntando-me se eu desejava jantar. Declarei estar sem fome. Queria ficar um tempo sozinha, queria refletir sobre o que se passava comigo e como eu iria resolver aquele impasse.
A resposta não tardou a chegar. Enfim, ergui-me num salto e vi que a solução não era permanecer ali, era correr atrás que eu queria. O tempo realmente não parou para que eu me concertasse, o tempo passou, correu, e foi deixando tudo para trás. Cabia a mim correr atrás dele. Recuperar o tempo perdido.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ela é uma garota extraordinária
Em um mundo ordinário
E ela não vê modos de escapar

Ele não tem a coragem em sua mente
Como uma criança deixada para trás
Como um bichinho deixado na chuva

Ela está sozinha novamente
Limpando as lágrimas de seus olhos
Alguns dias ele sente como se estivesse morrendo
Ela está tão enjoada de chorar

Ela vê o reflexo de si mesma
Uma imagem que ela quer vender
Para qualquer um disposto a comprar

Ele rouba a imagem no beijo dela
Do apocalipse do coração dela
Daquela chamada "Qualonomedela"

Ela está sozinha novamente
Limpando as lágrimas de seus olhos
Alguns dias ele sente como se estivesse morrendo
Ela está tão enjoada de chorar

Ela está sozinha novamente
Limpando as lágrimas de seus olhos
Alguns dias ele sente como se estivesse morrendo
Alguns dias ele não vale a tentativa
Agora que eles dois estão descobrindo
Ela está tão enjoada de chorar

Ela é uma garota extraordinária
Uma garota extraordinária
Uma garota extraordinária
Uma garota extraordinária

sábado, 28 de agosto de 2010

I'll take you there.


Assim que ele girou a chave na porta e deu passagem para que eu entrasse, mal pude acreditar no que via. Fitei o cômodo e sorri extasiada. Da varanda, adentrava uma luz solar que iluminava a sala espaçosa e as cortinas postas ali dançavam ao toque da brisa fria. As paredes pintadas de terracota complementavam o ambiente e, mais adiante, um violão descansava encostado na parede. Algumas almofadas foram jogadas estrategicamente no chão e convidavam para um repouso.
- Então, o que achou? – Ele perguntou no meu ouvido e envolveu minha cintura por trás num abraço prazeroso.
- É incrível! – Respondi, virando-me pra ele e beijando seus lábios carnudos. Desejei nunca esquecer a textura daquela boca que tanto esperei para experimentar e os toques precisos de suas mãos hábeis que me provocava arrepios contínuos.
Ainda abraçada a ele, pus-me a contemplar o apartamento recém comprado e reformado meticulosamente ao nosso gosto. Não havia muitos móveis, apenas o essencial para que nos mudássemos no dia seguinte. Caminhei lentamente, explorando os cômodos, enquanto ele me seguia com um sorriso cheio de expectativa.  
No corredor, as paredes foram pintadas de bege e pequenos quadros com figuras indecifráveis foram pendurados nas paredes. Senti suas mãos guiarem-me em direção a uma porta fechada e, em seguida, vendarem meus olhos. Indaguei o porquê daquilo.
- Você verá! – ele respondeu em um tom enigmático.
Ocultando meus olhos com uma mão apenas, tateou a maçaneta da porta com a outra mão e a abriu. No chão do quarto, um colchão nos aguardava, junto com alguns de nossos pertences. Vasculhei o quarto com os olhos e, adormecido dentro de uma cesta, jazia um filhote de buldogue francês. Fui golpeada por mais uma rajada de felicidade instantânea. Queria pegá-lo assim que acordasse.
 Deitamos-nos ali e ele me beijou novamente, daquele modo que inflamava minhas entranhas de desejo. Perdi-me em lembranças longínquas e decidi apagá-las da minha memória. Nada mais importava. Já me satisfazia a ideia de acordar todo dia ao amanhecer, envolvida nos braços dele.






 

I have dreamt of a place for you and I
No one knows who we are there
All I want is to give my life only to you
I've dreamt so long, I cannot dream anymore
Let's run away, I'll take you there.

terça-feira, 24 de agosto de 2010


E algo me diz que isso não pode ser real

E eu perdi meu poder para sentir, esta noite

Que todos nós somos vítimas de um crime

Quando tudo se vai e não pode ser recuperado

Nós não podemos parecer abrigar a dor por dentro

Todos nós somos vítimas de um crime.

falling apart


Matar alguém não era uma tarefa fácil, tampouco promissora. Apesar disso, algo me dizia pra continuar na tocaia, aguardando o momento certo para atacar. Sentei naquele espaço sujo e encostei a Sniper no canto da parede, abri a garrafa de água e tomei dois goles. Era um final de tarde quente e a umidade do ar era baixa. Xinguei-me mentalmente por ter aceitado este trabalho. Fitei o céu por alguns minutos, mentalizando todas as instruções que recebi e me perdi na imensidão com colorações incríveis diante dos meus olhos. Sempre fui fascinada pelo cair da noite.

Despertei em míseros segundos com o som dos fogos de artifício que anunciavam a chegada da minha presa. Procurei no bolso da calça jeans a cigarreira azul petróleo -ganhei do meu avô aos meus dezessete anos. – e apanhei um Marlboro Medium. O acendi com o isqueiro que sempre carrego comigo – presente do meu avô também. – e traguei, soltando, em seguida, a fumaça branca e entorpecente no ar.

Uma multidão se aproximava junto com ele; todos o aplaudiam, o veneravam. Com um sorriso de canto, posicionei a Sniper com a eficiência que fui ensinada e com a sua aproximação vantajosa, atirei.

O caos foi instalado. A roupa branca dele agora se manchava de vermelho. Toda a segurança que foi estipulada para protegê-lo procurava o causador de tamanho alvoroço. Alguns corriam na direção dele e checava o tamanho do ferimento em sua têmpora esquerda. E eu, satisfeita com meu desempenho, saia tranquilamente da cobertura do prédio com a arma do crime pendurada nas costas.

E se me encontrassem? Ninguém nunca conseguiu esse feito. Eu não era uma qualquer, eu fui treinada para matar. Exterminar a pessoa certa ou não, a sangue frio ou não. Eu era paga. Aquele era meu trabalho. Entrei no carro e fugi com o sentimento de dever cumprido.

domingo, 22 de agosto de 2010


Eu vou beber o que você derramar

E eu vou fumar o que você suspirar

Do outro lado do quarto com um olhar em seus olhos

Eu tenho um homem à esquerda e um menino à direita

Começo a suar então me abrace apertado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

good bye.


Tome o seu rumo, siga sua vida, não ouse olhar pra trás. E se você ousar olhar pra trás, que não me procure; eu não estarei no mesmo lugar que você me deixou. Com as mesmas intenções que as suas, seguirei a minha vida. Buscarei minha felicidade, encararei a vida, brigarei pela realização dos meus sonhos.

Foram bons momentos aqueles. Aqueles em que nossa ligação parecia nunca ser capaz de quebrar. Sorriamos da desgraça e encarávamos as dores que nos foram impostas. Promessas foram feitas e planos foram construídos. Coisas que não me arrependo e nem me arrependerei de ter feito. E diante de uma bela paisagem, você prometeu nunca me abandonar. O erro foi meu?

Então vá, tome o seu rumo, siga sua vida, não ouse olhar pra trás. E se você olhar pra trás, que não me procure; eu não estarei no mesmo lugar que você me deixou. Eu continuei com os pés descalços, caminhando por uma estrada solitária onde a única companhia que eu tive foi da minha respiração cansada. Em determinados momentos chorei. As cicatrizes não existiam mais, porém eu sentia falta da tua presença para acalentar minha alma.

Aqui estou eu, acenando meu ultimo adeus e deixando-te partir.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

please, leave me alone.


Tinham sido dias difíceis. Com o cigarro preso entre os dedos, levei-o a boca e traguei mais uma vez, sentindo a substância percorrer meu corpo e dopar-me. Me aconcheguei na cadeira acolchoada da varanda, vendo o sol desprender seus últimos raios, banhando a rua com seu brilho dourado e transformando o céu numa magnífica aquarela diante dos meus olhos.
Minha mente perturbada implorava por descanso, mas eu não estava disposta a ceder aos seus apelos. Queria mantê-la ativa, recordando cada momento, cada palavra dita e não dita, cada lágrima chorada e cada ato não feito. E o rancor, a melancolia, a angustia; sentimentos esses que faziam meu coração arder em desespero. Eram pesos que eu não carregava há muito tempo, e que resolveram retornar para atormentar-me como antes. Mergulhei na mais profunda lembrança, aquela em que eu tentei extinguir minha vida e chorei. Recordei das palavras dele que pronunciaram seu desejo de estar ao meu lado e, em meio a lágrimas, sorri. Angustiei-me com a lembrança dos que permaneceram ao meu lado e da maneira como eu os estava ignorando há duas semanas, assim sofri.
Acendi outro cigarro e o fumei; desejei que aquilo me envenenasse de tal forma que fosse capaz de anestesiar todos os sentimentos que me bombardearam de uma vez só.
A noite caiu silenciosa e com ela vieram nuvens pesadas e cinzentas que presentearam a cidade com uma chuva torrencial. O céu chorava comigo. O vento começou a castigar e eu me perguntei se estaria tão frio lá embaixo quando estava ali, em meu apartamento, 23º andar, cobertura. Perguntei-me ao mesmo tempo o porquê de ter escolhido passar o resto da minha vida aprisionada naquela fortaleza.
Aquela era a minha história. Não existia uma donzela indefesa, muito menos uma bruxa má. Talvez eu fosse ambos as personagens. Um príncipe encantado não iria aparecer e gritar: “jogue suas tranças, princesa, e assim eu te libertarei”. No meu conto, não havia final feliz, tampouco um final trágico, como Romeu e Julieta. No meu conto, o final era imprevisível e complexo.
Abri a porta da varanda e entrei com a roupa úmida, mergulhando no meu maior medo: A escuridão. A partir daquele momento, o breu ambientado ali pareceu não mais me incomodar. Acreditei que tivesse se misturado ao escuro interior que me invadiu como um sopro nos últimos dias.
Fui despindo minhas roupas enquanto caminhava em direção ao quarto, deixando-as pelo caminho. Assim que cheguei, deitei-me na espaçosa cama que providenciei assim que me mudei para ali. Mesmo estando sem nada para cobrir minha pele, eu não sentia frio, embora, ansiasse por uma noite de sono.
Eu sabia que não ia conseguir o que desejava; sabia que em algum lugar da casa, meu celular estava tocando. Sabia também que o telefone convencional da minha casa também estaria tocando se eu não tivesse tirado ele da tomada. Apoiei minha cabeça no travesseiro, chorando mais uma vez e pensei. Relembrei, recordei e pensei mais um pouco. Seria uma longa noite.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

"São armas radioativas, são lugares para descanso ou só trens voadores. Talvez sejam verdades, talvez não passem de loucuras, mas fazem parte daquilo que está aqui.
Tudo depende dos olhos de quem enxerga.Você enxerga ou só vê?"

-Mámi-

terça-feira, 6 de julho de 2010

Vida.


O dia já amanhecia lá fora e eu permanecia ali, sem conseguir adormecer. Sentia a respiração tranqüila dele enquanto seu peito nu subia e descia numa sincronia de inspiração e expiração. Acariciei lentamente sua face, tentando decorar cada curva do seu rosto anguloso.
Apoiei minha cabeça em seu ombro, roçando meu nariz em seu pescoço e sentindo o cheiro persuasivo do seu perfume, sendo invadida por uma sensação de satisfação e paz. Meu coração batia como nunca batera antes, pulsava com uma voracidade adormecida pelo tempo. Um sorriso brincava nos meus lábios enquanto isso acontecia; sorriso este, despertado pela felicidade que explodia em mim. Durante muito tempo, eu tentei ignorar tais sentimentos; enganando-me com o fato de achar que não necessitava de nenhum deles.
Puxei um pouco mais o lençol com o intuito de aquecer-me – entrava uma brisa fria pela fresta de janela aberta – me mexendo lentamente para não acordá-lo, fracassando um pouco e sentindo o braço dele, que envolvia meus ombros, puxar-me para encostar mais em seu corpo. Fiquei imóvel, vendo-o se acomodar novamente, acolhendo-me em seus braços. Encarei-o por alguns segundos e fechei meus olhos, com a sensação de que tudo estava completo e finalmente adormecendo.

sábado, 12 de junho de 2010

Hold On


Levantei naquela manhã com a mesma sensação. Passei as mãos sobre os cabelos e olhei ao redor, vislumbrando o quarto. Ele permanecia da mesma forma que eu havia deixado; o cheiro de cigarro Marlboro reinando no ambiente e as garrafas vazias de bebida, encostadas num canto do cômodo, refletiam a minha vontade de esquecer definitivamente o que ocorria. Levantei e arrisquei alguns passos em direção ao banheiro, desequilibrando-me duas ou três vezes e sendo obrigada a apoiar-me no móvel mais próximo. Abri a porta com dificuldade e entrei. Fitei minha face quadruplicada nos estilhaços do espelho do banheiro. Eu sentia os cacos que se desprenderam ferirem meus pés, e sem me importar, permaneci ali, imóvel.
A idéia de continuar vivendo percorria minha cabeça, apesar vontade de extinguir a minha vida não ter me abandonado. Tão viva era essa vontade que hesitei diversas vezes em apanhar um dos cacos do espelho e continuar a divina obra das linhas horizontais.
‘Divinas linhas, vocês irão me libertar desse peso’ pensei, fitando a iminência do meu trabalho na noite anterior. Abaixei lentamente e recolhi um caco afiado, cortante, mortal. Extasiada, meu olhar refletiu ali e a imagem dos que me acompanhavam surgiu em minha mente. Os momentos de prazer e felicidade, lembranças felizes que caíram sobre mim com um choque de realidade. Soltei o caco e ele se partiu em mais três partes. Cambaleei para trás e encostei na parede, arrastando-me até sentar no chão e encolher-me em posição fetal. As lágrimas não tardaram a chegar.
‘eu só desejo que passe, apenas isso!’ roguei.

sábado, 29 de maio de 2010

scars.


Frieza que me poupa, que me desperta,
Áspera, nutrida pelo sofrimento.
Frieza que busco, que temo, que procuro sentir,
Crítica, consistente, mortal...
És solução para o futuro que seguirei,
És resposta para o passado que desejo esquecer.
Desejo... desejos desejados...
Acalenta minha alma e alivia minha mente,
Deixa refletir meus pensamentos ocultos,
Suicídas, quentes, precários.
Invade-me completamente...
Inpulsione-me para a glória eterna que me aguarda.

sábado, 22 de maio de 2010

My scars are yours today


O sol se apagava lentamente no horizonte, banhando o mar com sua luz dourada e fazendo com que a água cristalina reluzisse ainda mais, honrando nossos olhos com tão majestosa beleza. Ela sorria enquanto conversávamos sobre qualquer coisa, talvez, só pra variar um pouco, o assunto fosse ele. Uma vez ou outra, fazíamos um comentário engraçado e riamos como não fazíamos há muito tempo.
Ela era uma das únicas pessoas capazes de extinguir a escuridão ambientada em mim; anestesiar a dor que corroia um pouco de mim todo dia. Durante tanto tempo, nossa amizade durou com uma força que eu nunca conseguiria descrever. Fitei seus olhos castanhos por alguns segundos e ela me abraçou carinhosamente, dizendo que nunca iria me abandonar.
Fui recebida por lembranças de uma infância agradável, no qual não tínhamos preocupações a não ser a de ser feliz. Onde os nossos tamanhos não influenciavam em nada quando nossa imaginação era tão extensa.
Enfim, o céu nos cortejou com um manto negro pontilhado de estrelas tão brilhantes quanto à áurea dela. Permanecemos em silêncio ali, escutando as ondas baterem nas pedras e o vento soprar em nossos ouvidos. Ali, permanecemos recordando acontecimentos passados de uma amizade que eu esperava não perder jamais.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

liberdade?



Do ridículo da vida, brotou toda a amargura que carrego. Tantos sonhos desfeitos, palavras não ditas... Foram tantas lagrimas choradas, horas perdidas, tempos gastos com o sofrimento sem sentido. Suas palavras não me machucavam mais, sua faca não me feriu, sua felicidade não me incomodou. Meu desejo intimo esvaeceu num sopro continuo que não me machucou, que não abalou minha calmaria e que não balançou minhas estruturas. Ao que aparentou, elas se firmaram com mais força, incapazes de cair. Aponto em sua direção, pronunciando meu clamor de liberdade.

Finalmente, finalmente, finalmente!”

Olhei pela janela e vi, não chovia mais. Apanhei meu casaco e corri em direção a rua movimentada carregando comigo o sorriso que não aparecia há muito tempo. Talvez fosse um sorriso fingido, um reflexo da frustração que me consumiu e que estava evaporando aos poucos naquele momento. Fui atingida pela baforada de ar morno que sempre habita as ruas depois de uma tempestade. Pisei em algumas poças de água sem dar tanta importância, meu humor estava agradável o suficiente para que eu não me importasse. Era o fim da ditadura; minha vida havia sido devolvida.

Caminhei na direção da praia e logo pude sentir o cheiro da maresia que se misturava ao vento. Tirei meus sapatos encharcados e caminhei na areia molhada.

A brisa sussurrou em meu ouvido; intui que estivesse cantarolando comigo:

finalmente, finalmente a liberdade!”