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domingo, 21 de novembro de 2010

Courtesan - PARTE 5



Todos nós temos segredos.
Sejam eles grandes ou pequenos, buscamos incansavelmente escondê-los.

Ninguém sabia que as tábuas do assoalho daquele quarto ocultavam de forma tão completa. No anseio de esconder aquela caixa, busquei na tábua solta, que sempre protestava com um ruído sombrio ao pisar, o lugar ideal. Um maço de cartas, presas com uma fita de cetim vermelha, revelavam notícias mandadas semestralmente por uma mãe amargurada, que não aceitava a ausência da filha. Juntamente a elas, podia-se encontrar relatos da uma vida no Le Chat Noir repleta de lúxuria excessiva. Eram palavras mortas, rabiscadas em papel e esquecidas com o tempo.
Numa madrugada morna, podia-se notar algo a mais reluzir nos meus olhos cansados. Talvez o brilho nos meus olhos superasse o das safiras da pulseira. A esperança parecia ter se jogado aos meus pés e eu a tivesse absorvido. Quando adentrei no quarto, certifiquei-me de que todas as outras estavam adormecidas e busquei a caixa no esconderijo. Sentei-me no chão e, cuidadosamente, a abri. 
O cheiro de segredo me atingiu. 
Acomodei a pulseira num cantinho da caixa que parecia só estar esperando-a. Em seguida, rendi-me a relatar os acontecimentos. Escrevi, com a caligrafia fina, tudo que necessitava expor. O quanto à felicidade havia me bombardeado após saber da reciprocidade do filho do duque. Passei minutos arranhando o papel com as declarações da mais bela noite que tive, guardando a carta juntamente com a pulseira em seguida. A caixa abraçou mais um de meus segredos. Permiti-me, após, aproveitar as horas de sono que ainda me restavam, desejando que Alaster me honrasse com sua presença em sonho.

A palma de minha mão ainda ardia. O rosto de Daphné exibia a marca da recente agressão. Algumas mechas de seu cabelo desprenderam-se do seu penteado. Ainda segurava a pulseira firmemente como se viver dependesse daquele ato. Nicole nos observava longamente, o pânico escorrendo de suas feições angulosas.
- você não tinha esse direito! – cuspi as palavras em Daphné. – queira me devolver isso, por favor!
Uma das sobrancelha de Daph se ergueu num puro sinal de desdém e a pulseira voltou ao local que antes estava, escondida dentro do decote generoso dela.
Lenora entrou no quarto e aspirou o ar carregado que pairava. Parecia intoxicar qualquer um que tivesse contato com ele.
- O que está acontecendo? – perguntou.
- Não me obrigue a repetir, Daph – meus passos iam de encontro a ela e as lágrimas abandonavam meus olhos. Uma por uma. Em sincronia. – me-devolve-a-pulseira.
Não houve reação da parte dela. Seu olhar deixava a mostra à satisfação que sentia. Meu desprezo para com ela parecia evoluir a cada segundo que se arrastava. Tentei investir em seu decote e arrancar a pulseira dali, mas a inutilidade da atitude foi logo vista. Notava-se que as atitudes dela começavam a surtir efeito. Uma raiva nunca sentida agora me habitava.
- Se ousar me bater de novo... eu juro pelo que é mais sagrado que queimo as cartas da sua mãe! – as palavras de Daphné me esbofetearam.

Eu a esbofeteei usando as mãos.

Primeiro sinal de briga no Le Chat Noir: gritos agudos se espalham pelo recinto.
Segundo sinal de briga no Le Chat Noir: passos apressados percorrem os corredores.

Foi um combate de unhadas e cabelos puxados. Quanto mais eu agredia Daphné, mas sentia vontade de agredi-la. Teria arrancado seus olhos se não fosse a presença repentina de Dom Pietro, que se deteve em agarrar-me pela cintura e interromper o conflito. Aquela altura, uma platéia infinita de garotas contemplava o fim da briga, tumultuando a entrada do quarto principal. Havia alguns rasgos no vestido de Daphné. Ela chorava com cinismo.
- O que vocês pensam que estão fazendo? – Dom Pietro pronunciou-se.
- Você é invejosa, fria e cruel! – minhas palavras foram direcionadas à Daph. – Eu espero que seu espírito podre e carniceiro queime no inferno.
Desvencilhei-me do aperto de Dom Pietro e rumei em direção à porta. Um silêncio incomodo e tenso foi sutilmente depositado no ambiente.
- Mas uma coisa... – quebrei-o sem mais objeções e as atenções se voltaram para mim. – quero que me devolva as cartas de minha mãe! E se você ousar fazer alguma coisa com elas... não acordará viva na manhã seguinte.
Ao sair do quarto, encontrei a pulseira de safiras aguardando-me na entrada do quarto. Imóvel e viva. Brilhava intensamente como sempre. Apreciei sua beleza por alguns segundos e tomei-a nas mãos, desaparecendo no corredor escuro em seguida.

Novembro se arrastou preguiçoso. Já se podiam ouvir comentários a respeito do casamento do filho do Duque Chevalier com a simpática filha da Condessa Laforet. Os curiosos e mais bem informados diziam que a moça tímida não passava dos dezessete anos. Vi na história da pequena Laforet reflexos do meu passado.
Na manhã do dia vinte e três, desfiavam os primeiros vestígios de um outono frio. Dom Pietro nos honrou com um passeio à tarde por uma Paris decorada com um céu cinzento. As folhas que se desprendiam das árvores forravam as ruas, formando um magnífico tapete marrom. Detive-me na vitrine de uma famosa modista francesa e abusei do meu anonimato para encomendar um novo vestido. Em seguida, na companhia de René, visitei uma doçaria e provei de tudo que ela poderia me oferecer, não descartando sua maior especialidade: Croissant.
Sentia falta da liberdade.
Retornei ao Le Chat Noir acompanhada por uma garoa fina e um frio que fazia-me tremer o corpo e o pensamento. Abriguei-me no quarto principal, encontrando sobre a cama as velhas cartas de minha mãe. Questionei-me qual fora a ultima vez que cruzei meu caminho com o de Daphné. A noite lá fora fez-se opaca e eu só desejava adormecer. O sono já me alcançava e eu sentia seus toques...
- Juliete... – A voz de Dom Pietro agarrou-me com força e eu me desprendi do sono. – Alguém está a sua procura lá no hall.
- Quem? – sentei-me na cama.
- Sr. Chevalier.


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