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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Courtesan - PARTE 4



Que grande ironia; a tristeza acenava para mim.

Não fazia ideia de quanto tempo estava naquele quarto, havia perdido a noção do tempo que passava. Sabia apenas que fazia frio. Muito frio.
Sentei-me na poltrona de frente para a janela e fitei a vidraça embaçada pela névoa. O silêncio começava a doer os ouvidos... Um silêncio sepulcral que transpirava solidão.
 Por mais que eu evitasse recordar à imagem dele, todo meu esforço parecia ser em vão. Relembrei dos toques precisos das mãos dele explorando meu corpo e de sua saliva queimando a pele do meu pescoço. Algumas lágrimas umedecerem minha face.
Adormeci ali de olhos abertos.

- Juliete – ouvi a voz de Dom Pietro. – Minha querida, você precisa sair desse quarto...
Fitei-o longamente. Li na sua face barbuda e no seu olhar azul uma expressão preocupada. Sua boca balbuciava mais palavras, entretanto, sua voz se perdia no intimo dos meus pensamentos; não conseguia entendê-la.
- Não seria melhor... deixá-la aí, Dom Pietro? – a imagem de René surgiu trás dele e entrou em foco, sua voz melancólica pronunciando-se.
- O que? E deixá-la morrer nesse quarto? – ele curvou-se em minha direção e checou minha temperatura corporal. – Juliete não come há dias, impregnou-se de uma tristeza infinita e se refugiou do mundo... – senti as grandes mãos de Dom Pietro acariciarem minha face e seus olhos encontrarem os meus. – o que está havendo, minha querida?
Não me dei ao trabalho de respondê-lo. Rendi-me a envolver seu pescoço e reconfortar-me em seu abraço. Nenhuma palavra foi dita; o silêncio do quarto foi sutilmente quebrado pelos soluços do meu choro.
- Tudo bem, Juliete! Eu estou aqui.

A chama da vela iluminava a pele morena dele enquanto eu acariciava seu peito. Seus braços envolviam meus ombros e sua respiração lenta batia em minha face. Fitei sua expressão pensativa e notei imediatamente que algo estava acontecendo. Livrei-me calmamente do seu abraço e sentei-me na cama.
- Teu silêncio me assombra. – disse calmamente.
- Juliete – ele começou, parecia estar escolhendo as palavras com cuidado. – Você já deve saber que eu venho de uma família muito importante, que os Chevalier mantém uma relação de grande interesse com outras famílias igualmente importantes e...
- Onde está querendo chegar, Alaster? – apressei-o, senti o gosto amargo da angustia me possuir.
- A questão é que; é de grande costume as famílias selarem laços de afinidade e... – ele continuou.
- Eu entendo bem o que é isso, Sr. Chevalier! Não preciso que me explique. – encarei seu olhar que, agora, transbordava uma aflição notável. – quero apenas que diga o que estou me preparando para ouvir.
- Eu vou me casar em novembro.

Naquela noite, eu havia sonhado com ele. Sua imagem serena ainda brincava quando despertei pela manhã. Passei um tempo incontável deitada na cama, travando uma luta cansativa contra minhas próprias lembranças. Fitei longamente o teto do quarto e decidi levantar dali. Caminhei até o espelho da penteadeira maciça e contemplei minha expressão cansada e melancólica.
Me permiti tomar o longo banho e vestir um dos melhores vestidos cedidos por Dom Pietro. Ajeitei meus cabelos de forma meticulosa, quase obsessiva, e desci para o salão do cabaret. A primeira vista, deparei-me com o sorriso aberto de Lenora. Em seguida, René surgiu ao meu lado e presenteou-me com um abraço forte. (Dom Pietro fez questão de espalhar para as demais garotas que eu estava com uma doença forte, mas que logo melhoraria. Não pensaram elas que, na verdade, eu possuía o mal do amor.) Isabele convidou-me a aprender a nova coreografia para a apresentação daquela noite. Eu aceitei. E eu dancei. Dancei com uma vitalidade nunca vista. Talvez eu buscasse ali as forças que necessitava para continuar vivendo.

Anoiteceu tão rápido que nem me dei conta. Após um delicioso banquete, eu já me aprontava para a apresentação. As outras cortesãs não tardaram a aparecer. Rotineiramente, Dom Pietro nos anunciou e, assim que a música começou, entramos conforme a batida do ritmo. Os movimentos sensuais e precisos enlouqueciam os cavalheiros conforme o previsto. Encarei a multidão que se aglutinava junto ao palco e não encontrei o que procurava.
Um suspiro de alivio escapou dos meus lábios. Ele não havia aparecido.
Após o termino do show, três cavalheiros imploraram por uma noite com a dama vestida de magenta. Desta vez, Dom Pietro dispensou os cavalheiros, dizendo que “a dama de magenta, cujo nome era Juliete, não estava disponível naquela noite”. Voltei ao quarto e deitei-me na cama, adormecendo minutos depois.

- ISSO É UMA TREMENDA INJUSTIÇA! – aquela voz, fria e aguda, gritava. Alguém urrava num misto de revolta e indignação. A porta foi escancarada e colidiu violentamente com a parede. Abri os olhos em tempo de ver Daphné se aproximar, fervilhando de fúria.
- Daphné... – Nicole surgiu no quarto, arfando como se tivesse corrido quilômetros.
 - Você acredita ser muito importante, não é Juliete? - Daph falava com o rosto a centímetros do meu, seu olho verde transbordando desprezo.
- o que se passa? – disse calmamente, o coração pulsando dentro do peito.
- Por que Dom Pietro sede tanto aos seus caprichos? – ela disse indignada, Nicole assistia a cena, aflita. – Não consigo compreender porque você tem tantos privilégios aqui, já que você só é mais uma prostituta. Uma-reles-cortesã. Acreditou realmente que Sr. Chevalier estivesse apaixonado por você?
- você não sabe o que está dizendo, Daph – falei, senti meu coração acelerar de repente. – está fora se si.
- Você realmente acha que vai sair dessa vida? – Daphné feria-me com suas palavras. – Você realmente acha que vai conseguir se casar com o filho do duque só porque ele te deu uma jóia de presente?
- Como você sabe a respeito dessas coisas? – balbuciei, minha voz falhou.
- Pára de sonhar, Juliete – Daphné retirou a pulseira de safiras, que estava escondida entre seus seios, e me mostrou. – pára de tentar se iludir com uma coisa que não existe. Não deixe a tolice tomar o lugar do seu bom senso. Você nasceu pra satisfazer os cavalheiros... e nunca vai passar disso.
Aquele velho nó em minha garganta foi reatado, meus olhos embaçaram momentaneamente antes que algumas lágrimas escapassem fugitivas.
- Acho que foi por isso que sua família te recusou. – ela me fitou longamente, agora de maneira satisfatória.
Num ultimo instante, minha mão foi ao encontro da face de Daphné. Minha boca falou pelo meu coração munido por um ódio incontrolável.
- Cala a boca.

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