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domingo, 10 de outubro de 2010

Snow


Tudo era branco. Branco sujo. Branco Gelo. Branco neve.

Neve.

Fazia um bom tempo que não nevava. Dois invernos... pode-se assim dizer. Aquele manto branco, que havia se ausentado por tanto tempo, agora estava em toda parte. Cobrindo telhados, gramados, casas e o que mais viesse à cabeça. Naquela tarde, eu tinha finalmente tomado uma decisão e, naquele exato momento, eu rumava pensativa, tentando organizar minha cabeça confusa.
 A rua deserta tinha um cheiro de silêncio que se sentia no estômago. Na certa, a população castigada pela nevasca de três dias jaziam no conforto de suas residências. Mas eu não. Eu já não suportava mais ser engolida pela solidão da minha casa. Eu senti a necessidade de provar o frio rigoroso de novembro que fazia doer os ossos. Consultei meu relógio de pulso; os ponteiros pareciam atropelar o tempo. E o tempo... Este não parecia estar com pressa em passar. Ele bocejava.
Aos tropeços, continuei caminhando, sentindo meus pés afundarem naquele glacê sem sabor a cada passo que eu dava. Tentei preparar um pequeno discurso, eu não fazia ideia do que falar. Pedir desculpas talvez? Encarei o céu cinzento e senti culpa. Não havia sol. Não havia nuvens. Apenas o cinza sepulcral. Combinava com o branco. Pareci estar enterrada num filme antigo.
Ajeitei o cachecol no pescoço e escondi minhas mãos dentro dos bolsos da jaqueta. Era o refúgio quente que elas necessitavam. As árvores despidas pareciam mirar cada um dos meus atos. Seria satisfatório se elas segurassem minha mão e me levassem até lá.

Lá.

Não ia lá desde o ocorrido. Não tive forças pra voltar. Deixei os as horas engolirem os minutos e os dias devorarem as horas. E dessa forma, uma semana se passou.
Virei à esquerda, já conhecendo o caminho de uma forma sublime. Conhecia tanto o caminho quanto desconhecia a mim mesma. Ali já não havia neve. Porém, a estrada estava coberta de água derretida e pedrinhas de sal rangiam ao pisar. Parei. Contemplei longamente a casa, relembrando os momentos que vivenciei ali. Ri intimamente quando notei que ele havia retirado a neve da passagem até a porta. Deveria ter feito o mesmo. Teria me poupado o trabalho de pular a janela pra sair de casa.
Um último suspiro escapou e, assim decidida, caminhei até a porta. Meu dedo encontrou a campainha e o som ecoou pela casa inteira, estremecendo e arrepiando cada pêlo do meu corpo. 

Nada.

Ninguém.

Estiquei meu braço novamente, almejando tocar mais uma vez. Detive-me no meio do ato. Uma fresta da porta foi aberta e os olhos dele espreitaram minha figura constrangida. Provida de arrependimento. Não havia esquecido a magnitude do olhar castanho-latino dele. Apaixonante. Inesquecível. Fui recebida com uma expressão de surpresa se materializou no rosto dele ao me fitar. Atendi ao apelo do meu pulmão e tomei um pouco de ar com o intuito de dizer algo. Não tive tempo. Ele fechou a porta antes que qualquer palavra pudesse escapar dos meus lábios. Suspirei. Meu coração protestou. Eu sabia que isso iria acontecer. A errada era eu. Mas ali estava eu, pisando no meu orgulho e despertando a humildade adormecida em mim. Será que eu tinha sido tão estúpida a ponto dele nem querer estar na minha presença?
Engoli em seco e dei meia volta pra retornar à minha casa. O céu derramava flocos de neve sobre a cidade. O ar estava tão gélido de cortar a alma. Interrompi o primeiro passo ao ouvir um rangido, denunciando que a porta havia sido aberta. Contemplei o corpo parado na entrada da casa. O cabelo bagunçado, a camiseta do Ramones, o sorriso tímido que exibia-lhe as covinhas.

Sorri.

Sorri como não havia feito há uma semana.

Caminhei até ele e encarei seu olhar que despejava calmaria. Parecia querer ler meus pensamentos. Isso conflitava-me. Tomei fôlego para falar algo. Não sabia o quê, mas eu precisava falar. Seu dedo interrompeu-me. Foram segundos de silêncio que aparentaram ser milênios. Por fim, ele sorriu e pronunciou-se:
- Senti sua falta!


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