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sexta-feira, 16 de julho de 2010

please, leave me alone.


Tinham sido dias difíceis. Com o cigarro preso entre os dedos, levei-o a boca e traguei mais uma vez, sentindo a substância percorrer meu corpo e dopar-me. Me aconcheguei na cadeira acolchoada da varanda, vendo o sol desprender seus últimos raios, banhando a rua com seu brilho dourado e transformando o céu numa magnífica aquarela diante dos meus olhos.
Minha mente perturbada implorava por descanso, mas eu não estava disposta a ceder aos seus apelos. Queria mantê-la ativa, recordando cada momento, cada palavra dita e não dita, cada lágrima chorada e cada ato não feito. E o rancor, a melancolia, a angustia; sentimentos esses que faziam meu coração arder em desespero. Eram pesos que eu não carregava há muito tempo, e que resolveram retornar para atormentar-me como antes. Mergulhei na mais profunda lembrança, aquela em que eu tentei extinguir minha vida e chorei. Recordei das palavras dele que pronunciaram seu desejo de estar ao meu lado e, em meio a lágrimas, sorri. Angustiei-me com a lembrança dos que permaneceram ao meu lado e da maneira como eu os estava ignorando há duas semanas, assim sofri.
Acendi outro cigarro e o fumei; desejei que aquilo me envenenasse de tal forma que fosse capaz de anestesiar todos os sentimentos que me bombardearam de uma vez só.
A noite caiu silenciosa e com ela vieram nuvens pesadas e cinzentas que presentearam a cidade com uma chuva torrencial. O céu chorava comigo. O vento começou a castigar e eu me perguntei se estaria tão frio lá embaixo quando estava ali, em meu apartamento, 23º andar, cobertura. Perguntei-me ao mesmo tempo o porquê de ter escolhido passar o resto da minha vida aprisionada naquela fortaleza.
Aquela era a minha história. Não existia uma donzela indefesa, muito menos uma bruxa má. Talvez eu fosse ambos as personagens. Um príncipe encantado não iria aparecer e gritar: “jogue suas tranças, princesa, e assim eu te libertarei”. No meu conto, não havia final feliz, tampouco um final trágico, como Romeu e Julieta. No meu conto, o final era imprevisível e complexo.
Abri a porta da varanda e entrei com a roupa úmida, mergulhando no meu maior medo: A escuridão. A partir daquele momento, o breu ambientado ali pareceu não mais me incomodar. Acreditei que tivesse se misturado ao escuro interior que me invadiu como um sopro nos últimos dias.
Fui despindo minhas roupas enquanto caminhava em direção ao quarto, deixando-as pelo caminho. Assim que cheguei, deitei-me na espaçosa cama que providenciei assim que me mudei para ali. Mesmo estando sem nada para cobrir minha pele, eu não sentia frio, embora, ansiasse por uma noite de sono.
Eu sabia que não ia conseguir o que desejava; sabia que em algum lugar da casa, meu celular estava tocando. Sabia também que o telefone convencional da minha casa também estaria tocando se eu não tivesse tirado ele da tomada. Apoiei minha cabeça no travesseiro, chorando mais uma vez e pensei. Relembrei, recordei e pensei mais um pouco. Seria uma longa noite.

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