O bloco de papel descansava nas mãos de Mel enquanto a
caneta escapava lentamente de suas mãos. Uma brisa fria entrava pela janela e a
garota, parcialmente despida, acabara desistindo de mais uma tentativa
frustrada em escrever o que sentia. Serviu-se de mais vinho e deixou seus
pensamentos vagarem junto com a música lenta que tocava insistentemente,
repetindo sua melodia triste pela trigésima vez. Mel fechou os olhos e
acolheu-se no chão frio. Os pelos do seu corpo erriçaram-se. Desejou adormecer, mas parecia acesa. O cômodo já estava
escuro e o vento se tornava mais gélido.
A noite se instalava aos poucos e nuvens de chumbo ocultavam as
estrelas. A lua não apareceu.
Mel tomou um gole do vinho e sentou-se novamente. Assanhou
os cabelos negros e tomou a caneta nas mãos. Conjurou todas as lembranças
ocultas em seu intimo na esperança de relatar nas páginas soltas do caderno o
que sentia. Datou o papel branco e o encarou durante longos minutos enquanto ele aguardava acolher mais um de seus segredos. O caderno, seu fiel confidente.
Deixou então que a caneta escorregasse pelo papel e relatasse as seguintes
palavras:
“Ela não veio.”
Encarou mais uma vez a página enquanto o som da repetitiva
música se misturava aos pingos de chuva que começaram a caiam do lado de fora. Mel sentiu o
frio noturno queimar em sua pele, mas não ousou levantar dali, tampouco aquecer-se.
Desejou, entretanto, obrigar seu corpo a
provar aquela sensação. Anestesiar a sensação de solidão que começou a
enegrecer sua alma.
Inesperadamente, sentiu o sangue do seu corpo se esvair
quando ouviu as conhecidas batidas suaves na porta. Parecia a melodia da
redenção. Mel levantou-se apressadamente e escancarou a porta a tempo de ver
Freja dobrar os nós dos dedos, pronta para anunciar a sua chegada novamente. Uma
expressão de surpresa se instalou no rosto dela ao contemplar o corpo seminu de
Mel. Os cabelos molhados pela chuva
colavam em suas feições magras.
“Você não me avisou que aquele rio, o da entrada da cidade,
enchia no inverno!”
Mel sorriu fraco e a sensação de alivio percorreu suas
artérias. Abriu espaço e Freja entrou na casa. Rendeu-se a fechar as janelas e
esconder seu caderno dentro de uma das cômodas disposta na sala de estar. Freja
despiu os casacos molhados e pendurou-os. Mel acendeu a lareira e sentou-se no
lugar que antes lhe acomodava. Acolheu Freja em seus braços em seguida e beijou
seus lábios finos. De repente, tudo parecia bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário